sexta-feira, 30 de março de 2018

Imortalidade




Talvez não haja sonho mais antigo do que o de alcançar a imortalidade. Esse sonho foi reforçado culturalmente pela religião. Outros decidiram tomar o assunto em mãos e surgiu a alquimia. Curiosamente não é o medo da morte que nos leva a querer a imortalidade. Num estudo publicado em 2002 descobriu-se que "o medo da morte não tem relação com crenças relativas à imortalidade".[1]
Desde bem cedo na vida acreditamos que a consciência permanece, mesmo depois do corpo desaparecer. Aceitamos a morte física do corpo, mas já não é fácil aceitar a morte psíquica.
A vida eterna é um desejo que se manifesta cedo na vida, sendo que as crianças a têm como adquirida.
A ideia que emoções e desejos já existem antes de nascermos é comum entre as crianças, mesmo aquelas que nunca foram expostas a tais ideias, nomeadamente ao conceito de reencarnação.
A vida eterna é uma intuição com que nascemos e é independente de crenças religiosas. Sentir e desejar é o que nos faz humanos.

O desejo de eternidade deixou o domínio da religião e passou a estar presente também no mundo secular. A criopreservação é um destes exemplos. Outras questões como o rejuvenescimento e o “upload” da mente para um computador são outros exemplos de como o desejo de eternidade afecta o mundo secular. Isto traz problemas éticos com os quais a humanidade eventualmente se confrontará. [2] Por exemplo, será a eternidade compatível com a reprodução? Haverá recursos para uma sociedade constituído de seres eternos?

Voltando à pergunta se existe vida após a morte. Ou seja, se a vida é efectivamente eterna ou não. Alguns defendem que essa ideia é o nosso cérebro a enganar-nos, numa estratégia de sobrevivência.
Uns acreditam que há vida após a morte e outros não. Stevenson da Universidade da Virgínia fundou a Divisão de Estudos Perceptuais com o propósito de provar irrefutavelmente a permanência da consciência após a morte. Criou um protocolo, em que em vida a pessoa fixaria uma mnemónica constituída de seis palavras que combinadas, dariam a combinação de um cofre e que após a morte essa combinação seria fornecida a alguém provando assim o ponto em questão. Stevenson faleceu a 8 de Fevereiro de 2007 e muitos reclamaram ter a combinação correta. Mas nenhuma resultou.
Contudo, não apenas a ideia de eternidade mas a vida eterna como possibilidade existe. A medusa Hydra é possivelmente o único organismo imortal que temos conhecimento (ver video acima). Daniel Martinez propõe-se estudar a criatura já que esta tem o potencial de nos fornecer terapias que podem prolongar a vida humana. [3]

Do ponto de vista religioso a existência desta criatura imortal coloca um conjunto de problemas fundamentais. Ela arrasa o argumento teológico que afirma que a morte é consequência do pecado. Como Paulo escreve : "É por isso que, assim como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo, e a morte por meio do pecado e, desse modo, a morte espalhou-se por toda a humanidade, porque todos tinham pecado. . . " [4] 
Ou ainda a ideia de que os animais, que não têm pecado, foram deliberadamente criados com a morte como perspectiva. É que no caso desta criatura animal, nenhum dos dois argumentos funcionam: Se esta criatura é imortal, então é uma criatura perfeita, uma que não precisa de nenhuma redenção (Romanos 5:21)[5]. Por outro lado desmente que os animais tenham por propósito sido criados para morrer, ou pelo menos neste caso há uma excepção! O porquê da excepção fica por explicar.
Já se havia levantado questão semelhante aos defeitos genéticos. O argumento teológico é que estes resultam da imperfeição humana, de termos cortado a nossa relação com Deus e nos encontrarmos em pecado, o pecado original com que todos nascemos. O problema é que os animais não estão incluídos nessa relação e contudo também têm defeitos genéticos. No caso deles, que nunca pecaram, nem sequer a noção de pecado se lhes aplica, como justificar?

No presente caso a teologia traz mais problemas do que aqueles que explica, sendo assim uma má hipótese, que a bem da verdade, precisa de ser rejeitada.

Não podemos deixar que o medo do vazio nos impeça de rejeitar hipóteses que nada explicam. Mas temos de ter consciência da nossa ignorância, abraçá-la, para conscientes dela, podermos com coragem avançar na descoberta da verdade. A existência de uma criatura eterna, joga fora a necessidade de Cristo, o que penso será anátema para qualquer crente cristão. Mas é um mau serviço negarmos a evidência só porque ela não encaixa na nossa cosmogonia.  
Aquilo em que se crê seja em relação a como o mundo é ou do ponto de vista da continuação da vida influi no modo como nos relacionamos. Um estudo revela que quem mais medo tem da morte mais se inclina à direita em termos políticos. Construir um sistema político baseado no medo não parece saudável. “A Teoria da Gestão do Terror prediz que ataques massivamente destrutivos conduzem as sociedades a crescerem exponencialmente mais caóticas e divididas.” [6] O que é naturalmente bom para os que usam a máxima de “dividir para reinar”.
O medo da morte conduz-nos a mais morte e retira-nos a capacidade de sermos racionais, compassivos e pacíficos.


[4] Romanos 5:12
[5] Romanos 5:21


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