terça-feira, 23 de outubro de 2012

Corrupção



Se as pessoas funcionam por incentivos, que incentivos podem levar à corrupção? Obviamente há a perspectiva de um ganho de qualquer natureza, na maior parte das vezes de natureza material. Mas para ela ocorrer, são necessárias relações de poder, e o exercício desse poder de uma forma não legítima, ou pelo menos o seu exercício de uma forma não transparente e tendenciosa. A corrupção mancha tanto o corruptor como o corrompido, embora também aqui de forma assimétrica. Percepcionamos o corrompido como o mais condenável. Normalmente o corrompido tem o poder de impedir a corrupção de ocorrer. Como ela ocorre no interesse de ambos, corruptor e corrompido, é um crime de difícil combate. Normalmente o que se faz para a combater, são a aplicação de medidas preventivas, assentes numa distribuição de poder. A lógica é, se o poder corrompe, vamos dar pouco poder, para que a corrupção nunca possa ser grande. Isto também revela que ela não se pode eliminar, enquanto houver uma relação de poder. O potencial dela ocorrer está presente. Quer isso dizer que ela não pode ser eliminada? Pode. Mas depende unicamente da vontade dos envolvidos, e depende ainda mais daquele que detém o poder. Esta questão de poder é fulcral porque se o corrompido detém o poder para realizar o pedido do corruptor, quando aceita ser corrompido ele submete-se ao corruptor perdendo aí ou trocando o seu poder, em contra partida o corruptor ganha ascendente. Na corrupção há uma ilegítima transferência de poder. Perverte as regras. De que forma isto está ligado à religião? Para que a corrupção tenha lugar é necessária a predisposição dos intervenientes para ela. Ambos têm em comum a noção de que nem sempre é preciso jogar de acordo com as regras. Mas esta violação das regras não é assumida, ela é encapotada dando a aparência que as regras são cumpridas. Nos jogos, chamamos a isso de batota. É aqui que entra a religião. Ela ia ter conhecimento verdadeiro e vital. Mas quando queremos escrutinar esse conhecimento à luz da lógica e da racionalidade, às vezes tão somente da sensatez, ela remete-nos para conceitos opacos como a fé e o mistério, domínios onde a lógica e a racionalidade já não se aplicam. A verdade religiosa, é mais interpretação do que facto. A fé tem o toque mágico de converter incertezas e dúvidas em factos inquestionáveis. O mistério cobre tudo aquilo onde a lógica e a racionalidade já não chega, ou não consegue compreender. Deste modo a religião corrompe a mente humana. Ao fazê-lo retira ao corrompido a possibilidade de chegar por si mesmo ao conhecimento. A troco de uma explicação do tudo, completa, acabada mas ilusória, uma troca feita apenas para livrar o crente da ansiedade de existir, ei-lo que abdica da possibilidade de alcançar a verdade. Não conheço pior corrupção.