quinta-feira, 27 de agosto de 2015

A Gaiola Dourada



O título deste “post” é o título de um filme[1] sobre a emigração da américa latina em direcção aos EUA. Os emigrantes demasiado pobres, vêem nos EUA o paraíso, o eldorado, o fim da sua pobreza e o cumprimento de todos os sonhos de prosperidade. Mas será mesmo? Pelo menos, o percurso até esse mítico paraíso é doloroso. Uma selva povoada por cruéis feras humanas. E à medida que se aproximam do objectivo, vão sendo espoliados de tudo. Dos quatro que partem, só um chega ao destino para acabar num matadouro, literalmente.

Portanto, a questão impõe-se: Vale tentar tudo em busca da felicidade? Devemos usar a liberdade para ir em busca dela?

Numa abordagem descuidada e despretensiosa a tentação é de responder que sim.

Valerá a pena trocar a liberdade por uma condição de prosperidade?

Será que a liberdade não é uma condição essencial para a felicidade? A Bíblia fala de liberdade e de libertação como algo legítimo a alcançar. Elemento essencial para a alcançar é o conhecimento, um conhecimento verdadeiro.[2]

A dependência de algo ou alguém deve decorrer da ordem natural das coisas. Se o não for é uma coerção.

À dependência de Deus, caso exista enquanto Criador do Universo, insere-se na ordem natural das coisas, sendo como é causa última. Como vê Deus a liberdade? Ele quer concedê-la a todos os seus filhos - Rom. 8:21 “…a própria criação será liberta…e terá a liberdade gloriosa dos filhos de Deus.” A liberdade para ser alcançada exige esforço. Qual esforço? O de conhecer a verdade, pois o Mestre diz: “Conhecereis a verdade e esta vos libertará”[2] Como se alcança a verdade se cada um tem a sua própria interpretação dos factos?

Creio que a melhor forma ou seja, a ferramenta mais eficaz tem sido o método científico. Alguém poderá argumentar que este apenas explica a matéria deixando de lado coisas como a filosofia e a religião. Devo argumentar que o conhecimento científico precisa de um enquadramento filosófico e pode mesmo beneficiar da visão religiosa, como hipótese para a compreensão da realidade.[3] Mas nunca conheceremos a realidade, apenas nos aproximamos qual assímptota. [4]

Devo argumentar aqui que creio que Deus se agradará imenso do progresso que fizemos com essa ferramenta. O conhecimento exacto é a sua essência, o seu espírito! Se a verdade liberta, se Deus pretende conceder-nos liberdade, então como diz Paulo “…onde estiver o espírito de Deus, ali há liberdade.”[5]

Alguns apologistas argumentarão que o conhecimento científico não pode ser a verdade de Deus, já que contradizem as Sagradas Escrituras. Penso que não é causa para rejeitarmos a ferramenta do método científico, ainda. O conhecimento científico ao contrário do religioso não é dogmático. Ele não se fecha sobre as suas próprias afirmações de forma irredutível. O conhecimento cientifico é permanentemente posto em causa e diferente do religioso ele verdadeiramente é “…como a luz que clareia mais e mais, até o dia estar firmemente estabelecido”.[6]

Portanto, para o crente realmente devoto, um que se preocupe mais com as questões de fundo que de forma, um que abandone o farisaísmo tentador e queira realmente abraçar o discipulado do Mestre, precisa olhar a ciência como um aliado. E perante as incompatibilidades do conhecimento científico e as velhas Sagradas Escrituras, tem de usar o seu discernimento, distinguir o trigo do joio e deixar-se levar pelo espírito de Deus à verdade que o liberta.

A religião não oferece uma verdade fresca, uma água saudável para beber e crescer. Ao invés é uma ressequida e velha árvore, ladainha encantatória para o seduzir, igual à serpente que hipnotiza a ave. Ou como a original enganadora que a troco do conhecimento pretende cobrar um preço. A maioria das organizações religiosas pretende que o crente troque a sua liberdade em troca de uma gaiola dourada, que ilude o crente num falso senso de felicidade, muitas vezes assente apenas em promessas futuras. Pode ser um lugarzinho no céu na bem-aventurança de uma intimidade com Deus, ou para os menos angelicais, talvez apenas e só a promessa de um Paraíso na Terra. O prazer de viver e usufruir sem doença esta nossa humana existência, é realmente uma promessa apelativa. O crente é portanto um pássaro que iludido pela minhoca é apanhado pelo visgo, vivo ainda, mas deixando de ser livre. Livre de buscar a verdade, a tal que lhe permitirá ser livre, verdadeiramente livre. Apanhado é metido numa gaiola junto com outras vítimas. 

Igual ao emigrante que consegue finalmente chegar aos EUA, talvez caia finalmente vítima de cultos que continuarão a fazer da sua vida uma prisão, uma gaiola dourada. É nessa gaiola se espera que cante feliz, mesmo que não possa mais voar.

[1] La Jaula d'Oro
[2] João 8:32
[3] Aqui entendida como a verdade última.
[4] [Geometria] Linha recta disposta em relação a uma ramificação infinita de curva, de modo que distância de um ponto da curva a esta recta tende para zero quando o ponto se afasta indefinidamente sobre a curva. in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/assintota [consultado em 30-07-2015].
[5] 2 Coríntios 3:17
[6] Provérbios 4:18, na mesma abusiva interpretação das Testemunhas de Jeová, porque o texto se refere ao percurso de uma pessoa e não a um aumento de conhecimento doutrinário.