terça-feira, 4 de dezembro de 2012



O Martírio de Carl Olof Jonsson 

 Talvez pensemos que a destruição de pessoas por diferenças religiosas seja uma coisa do passado. Talvez queiramos que a inquisição seja apenas um lamentável acontecimento no passado histórico e nos queiramos tranquilizar, de que nos dias de hoje e em especial na nossa sociedade ocidental evoluída e esclarecida essas coisas já não existem. Pensar assim é errado. Em pleno século XX, nas nossas democracias da civilização moderna, ainda há “queimas” de hereges. Quero trazer-vos à atenção o martírio de Carl Olof Jonsson.

Quem foi Carl Olof Jonsson?

 Foi um pregador de tempo integral na Suécia, isto é alguém que devotou grande parte do seu tempo, batendo às portas dos seus vizinhos, para à base da Bíblia apresentar a ‘verdade’ segundo o credo das Testemunhas de Jeová. 

Ao pregar em 1968, numa dessas visitas de casa em casa, encontrou um senhor interessado que aceitou estudar mas que mais tarde o desafiou a provar que a data de 607 a.C. para a desolação de Jerusalém, data esta defendida pelas Testemunhas de Jeová, estava correcta, ao invés da amplamente aceite pelos historiadores como sendo 587 ou 586 a.C. 

Carl Olof Jonsson era não só zeloso e convicto, mas era também um homem honesto. Ele estava convencido que haveria ampla evidência em favor da data de 607 a.C e começou a aprofundar o assunto. Porque essa questão das datas é importante? Para a maioria das pessoas não é, e não terá grande importância Jerusalém ter sido destruída em 607 a.C. ou em 587 a.C. ou em 586 a.C. Mas para as Testemunhas de Jeová (daqui em diante passaremos a designar apenas como TJ por facilidade), é um ponto central sobre o qual assenta a sua teologia e onde a hierarquia vai buscar a sua autoridade. 

Tenham paciência e procurem, por favor, perceber o que está em jogo aqui e como isso é fundamental para a sua liderança. 

As TJ acreditam que Jesus começou a reinar nos céus no ano de 1914. Pensam que o tempo entre 1914 até ao fim do actual sistema de coisas, findará na grande guerra de Deus que se chama Armagedão, e que estamos vivendo ‘o tempo do fim’. Isso justifica a sua urgência em contactar o maior número de pessoas, para que se convertam ao seu movimento, se hão-de evitar perecer. 

Contudo, depois que Jesus começou a reinar em 1914, ele tomou um conjunto de acções que passou por uma limpeza espiritual em 1918, quando veio inspeccionar aqueles que se diziam cristãos e designou em 1919 um “escravo fiel e discreto”. Sem surpresas este “escravo fiel e discreto” é representado na Terra, pelo chamado Corpo Governante das TJ. Isto é, a sua autoridade é apresentada como derivando directamente do próprio Jesus, em função do argumento de que este começou a reinar em 1914! 

Porque o trabalho de Carl Olof Jonsson é uma ameaça para as TJ? 

Porque Carl Olof Jonsson no seu estudo profundo sobre a queda de Jerusalém e que passou anos, pelo menos até 1977 a compilar evidências, chegou à conclusão de que a data de 607 AC estava errada, como data da queda de Jerusalém. A data de 1914 é contada a partir desta última com base no texto de Lucas 21:24 em que Jesus afirma que as nações teriam de reinar até ao fim dos Tempos dos Gentios, isto é teria de passar um período de tempo até que ele começasse a reinar. Elas aceitam que estes Tempos dos Gentios têm a duração de 2520 anos, o que começando em 607 a.C., terminam em 1914 [1]. Se essa data inicial de que partem, está errada[2], então Jesus não começou a reinar em 1914, não veio ao templo fazer uma limpeza espiritual em 1918 e não veio designar o “escravo fiel e discreto” em 1919. A autoridade do Corpo Governante é então completamente posta em causa. Daí Carl Olof Jonsson e o seu estudo aprofundado da cronologia bíblica e histórica ser tão perigoso, ter consequências tão devastadoras. 

Como agiu Carl Olof Jonsson? 

Com profunda nobreza de carácter. Como a maioria das TJ, ele estava convencido que o Corpo Governante era honesto nas suas declarações de buscar a ‘verdade’ doesse a quem doesse! Ele pensava que ao contrário dos sacerdotes que condenaram Jesus e que estavam apenas com medo que este fosse uma ameaça ao seu domínio[3], estes fossem mais nobres, quais bereanos[4] e corrigissem uma deficiente posição, mostrando que acima de tudo estavam interessados na verdade. Pagou caro essa ingenuidade.
Em 1977 escreveu um extenso tratado sobre a questão e o enviou para a consideração do Corpo Governante. Na troca de correspondência que se seguiu, ficou claro que eram incapazes de refutar as evidências que Jonsson apresentava e determinados a manter o seu sistema doutrinal intacto. A liderança das TJ intimou-o a manter-se calado em relação ao assunto. Jonsson acatou, “esperando em Jeová” que finalmente o Corpo Governante tomasse uma posição em respeito pela ‘verdade’, mas o que sucedeu foi um ataque pessoal a Jonsson. 
Nos meses seguintes através dos seus púlpitos foi dito que quem questionasse a cronologia da organização não passava de um orgulhoso e presunçoso que achava saber mais do que aqueles a quem Jesus designara. Os representantes viajantes, que vão visitando regularmente as congregações, chegaram a passar a ideia que os questionadores da cronologia, não passavam de possessos pelo demónio. Assim se assassinam personalidades e se difamam carácteres! 
Finalmente em 1982, mais de 25 anos passados, uma comissão judicativa é formada[5] para ‘tratar’ de Jonsson. Ele recebeu a pena máxima que é a excomunhão do movimento, com a consequência de nenhuma TJ poder falar com ele, com o risco de também ela ser excomungada! O caricato é que os três membros que o expulsaram não leram sequer o seu tratado, que fora redigido em inglês, língua que não dominavam! Só depois deste tratamento indigno é que finalmente Carl Olof Jonsson publicou o livro contendo os resultados da sua pesquisa e as conclusões a que chegou baseado nela[6]. Nesse livro apresenta sete linhas de evidência em favor da queda de Jerusalém por Nabucodonosor em 587 a.C. 
As mesmas sete linhas de evidência que destroem a autoridade do Corpo Governante das TJ, e mostram que afinal a sua liderança não tem qualquer respeito pela ‘verdade’ e cujo carácter aproxima-se mais dos sacerdotes no Sinédrio do que de Jesus. 

[1] Podem ver este artigo no site oficial das TJ: aqui. Para os leitores curiosos podem achar online um livro descontinuado das TJ com o mesmo raciocínio com o título “Certificai-vos de todas as coisas…” aqui

 [2] A revista “JWRecovery”, Fall 2009 no artigo “Did Jerusalém Fall in 607?” pág. 22 e que pode ser descarregado aqui.

[3] João 11:48 

[4] Atos 17:10, 11 

[5] Uma espécie de Tribunal dos TJ, para julgar violações dos seus membros. Sim, uma espécie de Santo Ofício. 

[6] “The Gentile Times Reconsidered”, publicado por Commentary Press. (Podem comprar na Amazon.com) Os apenas curiosos talvez queiram ir por aqui

sábado, 24 de novembro de 2012

A propósito da reportagem saída na revista Sábado sobre as TJ



A revista na capa apresenta um conjunto de afirmações que pretendo comentar uma por uma. Ainda não li a reportagem mas pretendo fazê-lo logo tenha oportunidade. Se achar que devo voltar a escrever algo por causa disso, certamente saberão. 

 - As crianças não podem cantar os parabéns nem participar em festas de Natal na escola. 

A afirmação é inteiramente verdadeira e acrescento, nem na escola nem em lado nenhum! A sua interpretação da Bíblia as faz concluir que a celebração de aniversários é errada aos olhos de Deus e o Natal é apenas uma festa pagã. Também cantar os parabéns a alguém, é contribuir para o enaltecimento do indivíduo ao invés do enaltecimento a Deus a quem consideram, todo o humano deve a sua vida. Não tem por isso sentido dar os parabéns a alguém quando de facto a vida, não é uma conquista sua. 

- São encorajados a não ir para a faculdade e a não aceitarem promoções no emprego.

A primeira parte da afirmação é inteiramente verdadeira [1], aliás todas as religiões preferem ter rebanhos mais ou menos ignorantes, porque são mais plásticos. Adiciono ligação que mostra claramente como esse desencorajamento é feito e já em posts anteriores abordei este assunto. Ligação: aqui

Em relação a não aceitarem promoções, deve ser esclarecido que o que perturba a hierarquia é a de que o pregador deixe de pregar! Ao aceitar uma promoção presumem que o indivíduo vai ter menos tempo para a pregação, ou se vai distrair com coisas que vão ocupá-lo e tornar o seu serviço de pregação menos eficaz. Ou temem ainda que desenvolva uma visão materialista do mundo que o impedirá de pregar, pelo menos com a entrega que poderia se não estivesse tão preso. Resumindo: A questão de não ir para a faculdade e de não aceitar promoções é apenas o receio de que o indivíduo pare ou diminua as suas actividades de promoção do movimento, em especial a pregação de porta-em-porta. 

 - Devem casar sem nunca terem dado um beijo na boca.

Acham que um beijo na boca é apenas o início de uma cadeia que leva ao sexo. Se um homem e uma mulher se beijam na boca, é porque querem ter intimidades um com o outro, o que os pode levar à fornicação [2]. Portanto terem-se beijado na boca é uma impudícia e como tal é-lhes negado pelos anciãos da Congregação o uso do Salão-do-Reino (seu local de adoração) e eventualmente até não encontrem nenhum ancião disposto a celebrar-lhes o casamento, embora essa questão seja deixada à consciência do ancião. O que pode representar para o ancião que aceita uma dor de cabeça, pois lançará dúvidas sobre a sua espiritualidade, se não será um ancião permissivo. 

- E se os filhos quiserem deixar a religião os pais são obrigados a cortar relações. 

Alguém que abandona a ‘organização’ como eles se referem ao movimento é alguém que, na sua interpretação, estaria condenado ao apedrejamento pela antiga Lei dada a Israel. Ou seja qualquer desobediente à Lei seria morto. Ora ser expulso ou abandonar é o mesmo que uma morte, se bem que aqui simbólica, mas com os mesmos efeitos sociais. Raciocinam portanto que se o filho foi expulso ou abandonou é como se estivesse morto e normalmente não temos relações sócias com mortos! 

[1] Discurso por Guy Pierce no Jamor, Portugal em 5 de Junho de 2010 
[2] As gradações dos pecados de natureza sexual, para os TJ são quase infinitas.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O Catecismo Errado






 Milhares de pessoas têm ouvido o catecismo[1] errado e a sua falta de sentido crítico face a assuntos teológicos, leva-os a aceitar com confiança aquilo que ouvem. Mas urge ao homem actual, na imensidão do conhecimento e dos meios de divulgação, re-equacionar as questões, debater de novos os assuntos sem receios. A religião é apenas uma ideia e não está arredada do escrutínio humano. Não se pode confundir ‘respeito’ com ‘censura’. O respeito pela religião não deve significar que as ideias propostas pelos religiosos, sejam aceites sem qualquer escrutínio ou que deva ser censurada qualquer crítica às bases do seu pensamento. 

Agarrando a ideia do Deus cristão, Todo-Poderoso[2] mas simultaneamente bom e Todo-Amoroso[3], vamos analisar como esta ideia não se enquadra nos factos tal como apresentados nas Escrituras.

 Basicamente, o Senhor após o pecado original, contaminou-nos com a morte adâmica. Portanto Deus quer que morramos, como punição de um dos nossos antepassados ter feito algo que o chateou grandemente! Não percebo onde está a bondade da medida, nem mesmo a justiça, mas aceitando o argumento daquilo que um antepassado nosso faz, possa prejudicar as gerações vindouras, deixa-se passar…[4]

Se o objectivo do Diabo é manter-nos afastados de Deus, por nos levar a pecar, então o Diabo tem todo o interesse em que nenhum de nós morra, porque todos, até os bebés, já nascem com pecado! Caímos no paradoxo de Deus, o tal que é Todo-Poderoso e só amor, quer-nos mortos e o Diabo, o tal que é mais mau que as cobras, quer-nos vivos!

Deus quer que vivamos uma vida de pureza que basicamente consiste em nos negarmos a usufruir tudo o que nos dá prazer. Ou seja recusar o prazer da gula, da bebedeira e muito menos rock n’ roll, drogas e sexo. Qual é a recompensa? Regra geral após a morte, esperar viver uma espécie de pedrada do espírito santo que nos dará uma sensação de felicidade incomparável. Ou seja, troca-se o certo pelo incerto e sem nenhuma garantia de que a tal pedrada, seja melhor do que todas as coisas que deixamos de usufruir para a obter. Cheira a negócio desonesto à légua!

Talvez uma ilustração ajude a perceber melhor: Imagine que lhe aparece um Sr. Fulano fino e bem falante, que lhe propõe o seguinte negócio: você vende todo o seu património, entrega todas as suas economias a este Sr. e ele promete-lhe que num futuro incerto [5] obterá tal rendimento que nunca mais se vai precisar de preocupar com nada! Quando você lhe pede provas de que isso é possível, ele argumenta que é pessoa honesta e que só duvidar da sua honestidade é ofensivo para ele, que afinal só quer o seu bem, só tem mesmo é de confiar ou de perder a oportunidade para sempre. Afinal entre todos, ele escolheu-o a si, você é o eleito, o privilegiado! Será que ingratamente vai virar as costas a tal maravilhoso privilégio?
 
Ou então apresenta-lhe uns desgraçados que já caíram na conversa dele e que tudo o que têm para lhe transmitir são palavras também[6].

Diga-me francamente, aceitaria um negócio como este? Se calhar não, mas a maioria que aprendeu pelo catecismo é isso que faz.

[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Catecismo
[2] Êxodo 6:3 “E eu costumava aparecer a Abraão, a Isaque e a Jacó como Deus Todo-Poderoso…” [3] A expressão ‘Todo-Amoroso’ não surge na Bíblia, mas podemos aceitá-la em face de 1 João 4:8 “Quem não mar, não chegou a conhecer a Deus, porque Deus é amor.”
[4] Caso por exemplo de uma mãe/pai sifilítico pode prejudicar filhos, ou mais recentemente alguém com SIDA.
[5] Normalmente até os que apresentam uma data, são cautelosos para deixar um argumento para a fuga.
[6] Curiosamente todos acham maravilhoso ter-se deixado enganar!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Corrupção



Se as pessoas funcionam por incentivos, que incentivos podem levar à corrupção? Obviamente há a perspectiva de um ganho de qualquer natureza, na maior parte das vezes de natureza material. Mas para ela ocorrer, são necessárias relações de poder, e o exercício desse poder de uma forma não legítima, ou pelo menos o seu exercício de uma forma não transparente e tendenciosa. A corrupção mancha tanto o corruptor como o corrompido, embora também aqui de forma assimétrica. Percepcionamos o corrompido como o mais condenável. Normalmente o corrompido tem o poder de impedir a corrupção de ocorrer. Como ela ocorre no interesse de ambos, corruptor e corrompido, é um crime de difícil combate. Normalmente o que se faz para a combater, são a aplicação de medidas preventivas, assentes numa distribuição de poder. A lógica é, se o poder corrompe, vamos dar pouco poder, para que a corrupção nunca possa ser grande. Isto também revela que ela não se pode eliminar, enquanto houver uma relação de poder. O potencial dela ocorrer está presente. Quer isso dizer que ela não pode ser eliminada? Pode. Mas depende unicamente da vontade dos envolvidos, e depende ainda mais daquele que detém o poder. Esta questão de poder é fulcral porque se o corrompido detém o poder para realizar o pedido do corruptor, quando aceita ser corrompido ele submete-se ao corruptor perdendo aí ou trocando o seu poder, em contra partida o corruptor ganha ascendente. Na corrupção há uma ilegítima transferência de poder. Perverte as regras. De que forma isto está ligado à religião? Para que a corrupção tenha lugar é necessária a predisposição dos intervenientes para ela. Ambos têm em comum a noção de que nem sempre é preciso jogar de acordo com as regras. Mas esta violação das regras não é assumida, ela é encapotada dando a aparência que as regras são cumpridas. Nos jogos, chamamos a isso de batota. É aqui que entra a religião. Ela ia ter conhecimento verdadeiro e vital. Mas quando queremos escrutinar esse conhecimento à luz da lógica e da racionalidade, às vezes tão somente da sensatez, ela remete-nos para conceitos opacos como a fé e o mistério, domínios onde a lógica e a racionalidade já não se aplicam. A verdade religiosa, é mais interpretação do que facto. A fé tem o toque mágico de converter incertezas e dúvidas em factos inquestionáveis. O mistério cobre tudo aquilo onde a lógica e a racionalidade já não chega, ou não consegue compreender. Deste modo a religião corrompe a mente humana. Ao fazê-lo retira ao corrompido a possibilidade de chegar por si mesmo ao conhecimento. A troco de uma explicação do tudo, completa, acabada mas ilusória, uma troca feita apenas para livrar o crente da ansiedade de existir, ei-lo que abdica da possibilidade de alcançar a verdade. Não conheço pior corrupção.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O que é importante?

As religiões são muito diversas, mesmo se pensamos que todas elas são caminhos para deus(es) [1]. As religiões são diversas também naquilo que consideram como essencial, como o seu núcleo duro, o cerne, o alicerce da sua existência. Uns consideram que é prática, a estrita observância dos ritos, o que pode incluir posturas, festividades e/ou limitações dietéticas. Outras a sua doutrina, a validez de seus dogmas, a antiguidade das suas tradições [2]. Outras ainda como contribuem para a espiritualidade, para o crescimento do individuo.
Mesmo entre as religiões que dizem seguir a Cristo, esta variedade na essência é notória. Assim alguns cristãos acham que a Escritura sendo importante, não é o mais importante, porque a Escritura, embora essencial, a sua voz chega-nos pela interpretação dos devotos e dos santos. Acham assim que a Escritura e a tradição são pares indissociáveis do Caminho da Verdade. Outros acham que a Escritura é a única autoridade, valendo por si só, descartando toda a tradição. Variantes acham que a interpretação válida pode provir do mais humilde dos homens e se esforçam por permitir que toda a voz seja ouvida, o testemunho. Outros ainda há que consideram como mais importante a relação com Deus, no seu carácter mais emocional e íntimo, abstraído de uma visão mais agarrada à letra da Escritura e encarando esta como um guia geral, pois é a experiência pessoal de uma comunhão com Deus, o mais importante.

Qual é o melhor?

Alguns insistem que o melhor, que o mais importante é a Verdade. Talvez até se respaldem nas palavras do Cristo que dialogando sobre estas questões a certa altura afirmou: “…Para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade.” (João 18:37) Portanto, para muitos, esta Verdade que o Cristo veio testemunhar é o mais importante. Também consideram que a verdade se encontra nas Escrituras, porque estas são palavra de Deus [3].

Mas esta paixão pela Verdade como essência do cristianismo é eivada de escolhos e problemas. Curiosamente esta apetência pela Verdade, estas palavras do Cristo em especial, apenas encontram eco no evangelho de João, o mais tardio, mas também o mais elaborado e filosófico, talvez afinal o mais afastado do próprio pensamento do Cristo.
O que era importante para o Cristo?

Alguma verdade doutrinária? Um apuro semântico na formulação dos dogmas? Alguma verdade doutrinária então? Seria difícil, pois de alguma forma ele reescreveu a Verdade ao reinterpretar as Escrituras. Isso é claramente visível nas suas abordagens sobre o Sábado. Em termos doutrinais não se pode esquecer a importância do sábado e que foi pela violação deste que os israelitas são levados ao exílio Babilónico, como ajuste de contas pela sua falha em cumprir este mandamento divino. No pós-exílio judeus zelosos [4] vão cumprir escrupulosamente o sábado; afinal aprenderam a lição!
Contudo este zelo no cumprimento, no respeito pela Verdade de Deus, foi às vezes tão esticado que colidiu com os interesses humanos constituindo-se uma carga e às vezes beirando a irracionalidade ou a hipocrisia [5]! Por isso jesus bate num ponto essencial ao afirmar: “O sábado veio à existência por causa do homem, e não o homem por causa do sábado;” (Marcos 2:27)
Portanto resta a interrogação: O que é mais importante? Alguma dogmática ordem, mandamento absoluto a ser intransigentemente cumprido, ou o homem, os seus anseios de bem-estar e felicidade?
Alguns insistirão que a Verdade é de suma importância. Não estou tão convencido que esse seja o ponto central do cristianismo. Mesmo os judeus hoje, não me parecem preocupados com dogmatismos doutrinários, encarando a verdade, como um processo dinâmico e dialéctico. Acho que têm razão.
O que é importante? Para que precisa o homem de Deus? Tudo o que fazemos, mesmo quando não acertamos, é uma tentativa para sermos felizes. Sim, a felicidade do Homem é realmente o essencial. Se não o fosse, porque teria o Cristo proferido um discurso apenas sobre aquilo que contribui para nos fazer felizes? [6]
Mas creio que Cristo disse o que era mais importante nesta discussão, entre a pureza doutrinária e a felicidade humana. A verdade essencial para Ele era que o mais importante era o homem alcançar a felicidade. As suas palavras, vida e ministério, o seu sacrifício final, são em última análise o caminho para a Humanidade alcançar a felicidade. 
Acho que Ele não se importará nada que continuemos a tentar alcançá-la. [7]

[1] “God Is Not One” de Stephen Prothero
[2] Este respeito pelo antigo, como sendo de alguma forma mais legítimo, em especial no que diz respeito à religião, é uma herança cultural dos romanos.
[3] “…a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)
[4] É deste zelo que nasce a Tora e a interpretação rabínica, visto que estes zelosos não encontravam resposta a algumas das suas perguntas no Pentateuco. Por exemplo, o Pentateuco não diz a que horas começa o sábado e a que horas termina, apenas diz que o dia deve ser guardado como santo.
[5] “Amarram cargas pesadas e as põem nos ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos nem a movê-las com o dedo.” (Mateus 23:4)
“E ele disse ao homem com a mão ressequida: “Levanta-te e vem para o centro.” A seguir, disse-lhes: “É lícito, no sábado, fazer uma boa acção ou fazer uma má acção, salvar ou matar uma alma?” Mas ficaram calados.” (Marcos 3:3,4)
“Hipócritas, não é que cada um de vós, no sábado, desata da baia o seu touro ou o seu jumento e o leva para dar-lhe de beber?” (Lucas 13:15)
[6] O capítulo 5 do evangelho de Mateus merece uma leitura, embora o discurso se estenda até ao capítulo 7 inclusive.
[7] “Persisti em pedir, e dar-se-vos-á; persisti em bater, e abrir-se-vos-á.” (Mateus 7:7)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Deus dos ignorantes

 

Entre os teológos há um erro argumentativo muito comum, quando tentam defender a existência de Deus através daquilo que ainda não se sabe. Isto é, Deus existe porque a ciência ainda não conseguiu explicar um determinado enigma. Em termos de ilustração seria como dizer que o mecânico existe, porque não compreendemos muito bem como se dá a ignição da mistura no cilindro do motor. É óbvio que mesmo que eu não perceba nada de mecânica, ou perceba muitíssimo, o facto de que o motor foi concebido e produzido por alguém é um facto.

Portanto, a existência ou não-existência de Deus, não deve depender de se percebemos ou não o modus operandis do mundo. Isso apenas serve como uma espécie de cortina-de-fumo que obscurece o facto essencial: Uma personalidade não existe à parte de uma pessoa e uma pessoa, por natureza manifesta-se.

Os teólogos dizem que Deus se manifesta através da sua obra. Claro que é fácil concordar, o que fica mais difícil depois é descobrir o artista. É verdade que não conhecemos o artista meramente pela observação da sua obra, se bem que a obra nos possa dizer muito. Há inclusive obras que não sabemos nada sobre o seu autor. Porquê? Porque não existem registos históricos sobre ele e porque o artista morreu. Neste sentido o caso de Deus é peculiar, porque insistem que há registos sobre Ele e porque Ele não está morto.

Contudo seria de esperar, pelo menos de um grande artista, que se manifestasse, que nos deixasse aproximar. Mesmo os mais relutantes, uma vez ou outra sempre dão uma entrevista.

Os teólogos dizem que Deus se manifesta nas suas obras, deixa conhecer os seus pensamentos através de Escrituras Sagradas e permite a aproximação por meio da oração. Tudo isso está bem e é muito interessante, mas soa a pouco para um ser de tamanha grandeza e importância. Ao contrário de um humano, Deus não precisa de ser modesto. Que mal haveria em deixar-se conhecer mais plenamente e não como acontece geralmente por um intermediário humano? Que vantagem decorrerá para Deus ou para nós, a sua, mesmo que aparente, inactividade nos dias que correm?

Deus tirou férias e deixou de se interessar nos assuntos humanos? Alguns acreditam que esteja num ‘sábado’, gozando um merecido descanso de suas obras que parecem ter-lhe exaurido as energias[1]. Mas os mesmos discordam que se tenha desinteressado da humanidade. Sinceramente, um homem mesmo nas férias, não deixa de falar! Porque se calou Deus? Mesmo que goste de se comunicar por intermédio de algum humano, porque não o faz de forma credível?

O seu modelo comunicacional parece aberrante. Dirão os teólogos, que Deus é mais sábio do que eu e certamente sabe qual o melhor modelo de comunicar. Até poderia ser levado a concordar, não fora o facto, de que o seu silêncio parece confirmar a posição daqueles que ao longo do tempo, foram levados a concluir que Ele não existe, ou que se alguma vez existiu, esteja agora morto ou inactivo.

Dirão pressurosos que isso é um teste à nossa fé. Mas francamente, é apenas de bom-senso que face à inexistência de evidências qualquer fé seja submetida a um esforço demasiado. Aliás, se colocarmos tudo sobre os ombros da fé, então qualquer crença poderá afirmar-se verdadeira! (É o que acontece!)

O problema é que para aquele que busca com seriedade, uma fé cega não oferece base para se construir uma sólida crença em Deus. Se for só fé, então porque não aceitar que existem ÓVNIS e que estes são naves extraterrestres que nos visitam? Ou porque não acreditar que escondidos na profundidade dos bosques existem duendes, ou elfos ou unicórnios?

Agora que conseguimos perceber melhor a natureza do mundo em que vivemos Deus teria interlocutores altamente preparados para uma conversação de elevado nível! E Ele seria profundamente útil agora, para estabelecer uma ponte que nos será sempre difícil de estabelecer, que é aquela que interconecta o mundo material com o espiritual. De facto, Deus manifestou-se (aparentemente), mais no passado que no presente. Isto é, quando a humanidade não percebia sequer um ínfimo do Universo, Deus falou e agora cala-se!
Aparentemente Deus prefere falar para ignorantes…[2]

[1] Êxodo 31:17; parece que o esforço lhe tirou o fôlego.
[2] Mateus 11:25; mas ao contrário do que pode parecer, Jesus aqui censura os sábios e os intelectuais da religião, ou seja fariseus e escribas!