segunda-feira, 14 de maio de 2012

O que é importante?

As religiões são muito diversas, mesmo se pensamos que todas elas são caminhos para deus(es) [1]. As religiões são diversas também naquilo que consideram como essencial, como o seu núcleo duro, o cerne, o alicerce da sua existência. Uns consideram que é prática, a estrita observância dos ritos, o que pode incluir posturas, festividades e/ou limitações dietéticas. Outras a sua doutrina, a validez de seus dogmas, a antiguidade das suas tradições [2]. Outras ainda como contribuem para a espiritualidade, para o crescimento do individuo.
Mesmo entre as religiões que dizem seguir a Cristo, esta variedade na essência é notória. Assim alguns cristãos acham que a Escritura sendo importante, não é o mais importante, porque a Escritura, embora essencial, a sua voz chega-nos pela interpretação dos devotos e dos santos. Acham assim que a Escritura e a tradição são pares indissociáveis do Caminho da Verdade. Outros acham que a Escritura é a única autoridade, valendo por si só, descartando toda a tradição. Variantes acham que a interpretação válida pode provir do mais humilde dos homens e se esforçam por permitir que toda a voz seja ouvida, o testemunho. Outros ainda há que consideram como mais importante a relação com Deus, no seu carácter mais emocional e íntimo, abstraído de uma visão mais agarrada à letra da Escritura e encarando esta como um guia geral, pois é a experiência pessoal de uma comunhão com Deus, o mais importante.

Qual é o melhor?

Alguns insistem que o melhor, que o mais importante é a Verdade. Talvez até se respaldem nas palavras do Cristo que dialogando sobre estas questões a certa altura afirmou: “…Para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade.” (João 18:37) Portanto, para muitos, esta Verdade que o Cristo veio testemunhar é o mais importante. Também consideram que a verdade se encontra nas Escrituras, porque estas são palavra de Deus [3].

Mas esta paixão pela Verdade como essência do cristianismo é eivada de escolhos e problemas. Curiosamente esta apetência pela Verdade, estas palavras do Cristo em especial, apenas encontram eco no evangelho de João, o mais tardio, mas também o mais elaborado e filosófico, talvez afinal o mais afastado do próprio pensamento do Cristo.
O que era importante para o Cristo?

Alguma verdade doutrinária? Um apuro semântico na formulação dos dogmas? Alguma verdade doutrinária então? Seria difícil, pois de alguma forma ele reescreveu a Verdade ao reinterpretar as Escrituras. Isso é claramente visível nas suas abordagens sobre o Sábado. Em termos doutrinais não se pode esquecer a importância do sábado e que foi pela violação deste que os israelitas são levados ao exílio Babilónico, como ajuste de contas pela sua falha em cumprir este mandamento divino. No pós-exílio judeus zelosos [4] vão cumprir escrupulosamente o sábado; afinal aprenderam a lição!
Contudo este zelo no cumprimento, no respeito pela Verdade de Deus, foi às vezes tão esticado que colidiu com os interesses humanos constituindo-se uma carga e às vezes beirando a irracionalidade ou a hipocrisia [5]! Por isso jesus bate num ponto essencial ao afirmar: “O sábado veio à existência por causa do homem, e não o homem por causa do sábado;” (Marcos 2:27)
Portanto resta a interrogação: O que é mais importante? Alguma dogmática ordem, mandamento absoluto a ser intransigentemente cumprido, ou o homem, os seus anseios de bem-estar e felicidade?
Alguns insistirão que a Verdade é de suma importância. Não estou tão convencido que esse seja o ponto central do cristianismo. Mesmo os judeus hoje, não me parecem preocupados com dogmatismos doutrinários, encarando a verdade, como um processo dinâmico e dialéctico. Acho que têm razão.
O que é importante? Para que precisa o homem de Deus? Tudo o que fazemos, mesmo quando não acertamos, é uma tentativa para sermos felizes. Sim, a felicidade do Homem é realmente o essencial. Se não o fosse, porque teria o Cristo proferido um discurso apenas sobre aquilo que contribui para nos fazer felizes? [6]
Mas creio que Cristo disse o que era mais importante nesta discussão, entre a pureza doutrinária e a felicidade humana. A verdade essencial para Ele era que o mais importante era o homem alcançar a felicidade. As suas palavras, vida e ministério, o seu sacrifício final, são em última análise o caminho para a Humanidade alcançar a felicidade. 
Acho que Ele não se importará nada que continuemos a tentar alcançá-la. [7]

[1] “God Is Not One” de Stephen Prothero
[2] Este respeito pelo antigo, como sendo de alguma forma mais legítimo, em especial no que diz respeito à religião, é uma herança cultural dos romanos.
[3] “…a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)
[4] É deste zelo que nasce a Tora e a interpretação rabínica, visto que estes zelosos não encontravam resposta a algumas das suas perguntas no Pentateuco. Por exemplo, o Pentateuco não diz a que horas começa o sábado e a que horas termina, apenas diz que o dia deve ser guardado como santo.
[5] “Amarram cargas pesadas e as põem nos ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos nem a movê-las com o dedo.” (Mateus 23:4)
“E ele disse ao homem com a mão ressequida: “Levanta-te e vem para o centro.” A seguir, disse-lhes: “É lícito, no sábado, fazer uma boa acção ou fazer uma má acção, salvar ou matar uma alma?” Mas ficaram calados.” (Marcos 3:3,4)
“Hipócritas, não é que cada um de vós, no sábado, desata da baia o seu touro ou o seu jumento e o leva para dar-lhe de beber?” (Lucas 13:15)
[6] O capítulo 5 do evangelho de Mateus merece uma leitura, embora o discurso se estenda até ao capítulo 7 inclusive.
[7] “Persisti em pedir, e dar-se-vos-á; persisti em bater, e abrir-se-vos-á.” (Mateus 7:7)