terça-feira, 4 de dezembro de 2012



O Martírio de Carl Olof Jonsson 

 Talvez pensemos que a destruição de pessoas por diferenças religiosas seja uma coisa do passado. Talvez queiramos que a inquisição seja apenas um lamentável acontecimento no passado histórico e nos queiramos tranquilizar, de que nos dias de hoje e em especial na nossa sociedade ocidental evoluída e esclarecida essas coisas já não existem. Pensar assim é errado. Em pleno século XX, nas nossas democracias da civilização moderna, ainda há “queimas” de hereges. Quero trazer-vos à atenção o martírio de Carl Olof Jonsson.

Quem foi Carl Olof Jonsson?

 Foi um pregador de tempo integral na Suécia, isto é alguém que devotou grande parte do seu tempo, batendo às portas dos seus vizinhos, para à base da Bíblia apresentar a ‘verdade’ segundo o credo das Testemunhas de Jeová. 

Ao pregar em 1968, numa dessas visitas de casa em casa, encontrou um senhor interessado que aceitou estudar mas que mais tarde o desafiou a provar que a data de 607 a.C. para a desolação de Jerusalém, data esta defendida pelas Testemunhas de Jeová, estava correcta, ao invés da amplamente aceite pelos historiadores como sendo 587 ou 586 a.C. 

Carl Olof Jonsson era não só zeloso e convicto, mas era também um homem honesto. Ele estava convencido que haveria ampla evidência em favor da data de 607 a.C e começou a aprofundar o assunto. Porque essa questão das datas é importante? Para a maioria das pessoas não é, e não terá grande importância Jerusalém ter sido destruída em 607 a.C. ou em 587 a.C. ou em 586 a.C. Mas para as Testemunhas de Jeová (daqui em diante passaremos a designar apenas como TJ por facilidade), é um ponto central sobre o qual assenta a sua teologia e onde a hierarquia vai buscar a sua autoridade. 

Tenham paciência e procurem, por favor, perceber o que está em jogo aqui e como isso é fundamental para a sua liderança. 

As TJ acreditam que Jesus começou a reinar nos céus no ano de 1914. Pensam que o tempo entre 1914 até ao fim do actual sistema de coisas, findará na grande guerra de Deus que se chama Armagedão, e que estamos vivendo ‘o tempo do fim’. Isso justifica a sua urgência em contactar o maior número de pessoas, para que se convertam ao seu movimento, se hão-de evitar perecer. 

Contudo, depois que Jesus começou a reinar em 1914, ele tomou um conjunto de acções que passou por uma limpeza espiritual em 1918, quando veio inspeccionar aqueles que se diziam cristãos e designou em 1919 um “escravo fiel e discreto”. Sem surpresas este “escravo fiel e discreto” é representado na Terra, pelo chamado Corpo Governante das TJ. Isto é, a sua autoridade é apresentada como derivando directamente do próprio Jesus, em função do argumento de que este começou a reinar em 1914! 

Porque o trabalho de Carl Olof Jonsson é uma ameaça para as TJ? 

Porque Carl Olof Jonsson no seu estudo profundo sobre a queda de Jerusalém e que passou anos, pelo menos até 1977 a compilar evidências, chegou à conclusão de que a data de 607 AC estava errada, como data da queda de Jerusalém. A data de 1914 é contada a partir desta última com base no texto de Lucas 21:24 em que Jesus afirma que as nações teriam de reinar até ao fim dos Tempos dos Gentios, isto é teria de passar um período de tempo até que ele começasse a reinar. Elas aceitam que estes Tempos dos Gentios têm a duração de 2520 anos, o que começando em 607 a.C., terminam em 1914 [1]. Se essa data inicial de que partem, está errada[2], então Jesus não começou a reinar em 1914, não veio ao templo fazer uma limpeza espiritual em 1918 e não veio designar o “escravo fiel e discreto” em 1919. A autoridade do Corpo Governante é então completamente posta em causa. Daí Carl Olof Jonsson e o seu estudo aprofundado da cronologia bíblica e histórica ser tão perigoso, ter consequências tão devastadoras. 

Como agiu Carl Olof Jonsson? 

Com profunda nobreza de carácter. Como a maioria das TJ, ele estava convencido que o Corpo Governante era honesto nas suas declarações de buscar a ‘verdade’ doesse a quem doesse! Ele pensava que ao contrário dos sacerdotes que condenaram Jesus e que estavam apenas com medo que este fosse uma ameaça ao seu domínio[3], estes fossem mais nobres, quais bereanos[4] e corrigissem uma deficiente posição, mostrando que acima de tudo estavam interessados na verdade. Pagou caro essa ingenuidade.
Em 1977 escreveu um extenso tratado sobre a questão e o enviou para a consideração do Corpo Governante. Na troca de correspondência que se seguiu, ficou claro que eram incapazes de refutar as evidências que Jonsson apresentava e determinados a manter o seu sistema doutrinal intacto. A liderança das TJ intimou-o a manter-se calado em relação ao assunto. Jonsson acatou, “esperando em Jeová” que finalmente o Corpo Governante tomasse uma posição em respeito pela ‘verdade’, mas o que sucedeu foi um ataque pessoal a Jonsson. 
Nos meses seguintes através dos seus púlpitos foi dito que quem questionasse a cronologia da organização não passava de um orgulhoso e presunçoso que achava saber mais do que aqueles a quem Jesus designara. Os representantes viajantes, que vão visitando regularmente as congregações, chegaram a passar a ideia que os questionadores da cronologia, não passavam de possessos pelo demónio. Assim se assassinam personalidades e se difamam carácteres! 
Finalmente em 1982, mais de 25 anos passados, uma comissão judicativa é formada[5] para ‘tratar’ de Jonsson. Ele recebeu a pena máxima que é a excomunhão do movimento, com a consequência de nenhuma TJ poder falar com ele, com o risco de também ela ser excomungada! O caricato é que os três membros que o expulsaram não leram sequer o seu tratado, que fora redigido em inglês, língua que não dominavam! Só depois deste tratamento indigno é que finalmente Carl Olof Jonsson publicou o livro contendo os resultados da sua pesquisa e as conclusões a que chegou baseado nela[6]. Nesse livro apresenta sete linhas de evidência em favor da queda de Jerusalém por Nabucodonosor em 587 a.C. 
As mesmas sete linhas de evidência que destroem a autoridade do Corpo Governante das TJ, e mostram que afinal a sua liderança não tem qualquer respeito pela ‘verdade’ e cujo carácter aproxima-se mais dos sacerdotes no Sinédrio do que de Jesus. 

[1] Podem ver este artigo no site oficial das TJ: aqui. Para os leitores curiosos podem achar online um livro descontinuado das TJ com o mesmo raciocínio com o título “Certificai-vos de todas as coisas…” aqui

 [2] A revista “JWRecovery”, Fall 2009 no artigo “Did Jerusalém Fall in 607?” pág. 22 e que pode ser descarregado aqui.

[3] João 11:48 

[4] Atos 17:10, 11 

[5] Uma espécie de Tribunal dos TJ, para julgar violações dos seus membros. Sim, uma espécie de Santo Ofício. 

[6] “The Gentile Times Reconsidered”, publicado por Commentary Press. (Podem comprar na Amazon.com) Os apenas curiosos talvez queiram ir por aqui