sábado, 1 de março de 2014

Ovelhas Perdidas



Jesus conta uma tocante ilustração sobre a necessidade de recuperar as ovelhas perdidas aqui em Lucas 15:4 a 7: 

3 Então lhes contou a seguinte ilustração, dizendo: 4 “Que homem dentre vós, com cem ovelhas, perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove atrás no ermo e vai em busca da perdida, até a achar? 5 E quando a tiver achado, ele a põe sobre os seus ombros e se alegra. 6 E, ao chegar à casa, convoca seus amigos e seus vizinhos, dizendo-lhes: ‘Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que estava perdida.’ 7 Eu vos digo que assim haverá mais alegria no céu por causa de um pecador que se arrepende, do que por causa de noventa e nove justos que não precisam de arrependimento.


O que teria Jesus na ideia ao dizer estas palavras? Tratar-se-ía de ovelhas fora do redil judaico, que eventualmente haviam deixado de adorar do modo correcto? Precisariam de novo voltar ao templo? Seriam irregulares no sábado na sinagoga?

Jesus confessou que tinha vindo às ovelhas perdidas de Israel. (Mt 10:6; Mt 15:24) Portanto muito mais tarde ele insta que se procurem estas ovelhas (Mt 18:12) E em que sentido andavam as ovelhas perdidas? (Mt 9:36) As classes dos escribas e dos fariseus tinham um ensino legalista em detrimento de um humanismo essencial e necessário. Jesus condenou diversas vezes esta posição legalista, como foi por exemplo o caso do homem com a mão ressequida curado no sábado (Mt 12:10), ou até mesmo como aquela mulher que violou a Lei no intuito de ser milagrosamente curada (Mt 9:20). Mais tarde Jesus denuncia claramente a situação no capítulo 23 de Mateus, aquele onde não se coíbe de chamar os hipócritas enquanto tal.

Dá ideia então que o ir à procura das ovelhas perdidas naquele tempo, não era arrebanhar pessoas num qualquer outro “redil” organizacional alternativo ao vigente. Jesus foi claro, quando disse que não tinha vindo para destruir mas para cumprir (Mateus 5:17),  para salvar. Considerando o contexto da época, em que a forma de adoração praticada no Templo era a certa do ponto de vista de Deus quanto ao formalismo, mas não no espírito. Era isso que era urgente para Jesus recuperar! A religião tinha uma função humanista, devendo ser uma fonte de felicidade e não o contrário, vergando os homens a um cumprimento penoso e cego da Lei (Mr 2:27; Mt 23:23)

Na passagem de Lucas 15:4-7 com que começamos, Jesus não podia estar a convidar pessoas a ingressar numa Organização, afinal o judaísmo ainda estava de pé e a sua pregação procurava salvá-lo de uma condição legalista para uma condição onde as pessoas individualmente contassem e fossem tratadas com dignidade.

O contexto nos versículos anteriores deixa claro que Jesus diz essas palavras a quem julgava que havia pessoas além de qualquer redenção. Homens que julgavam que comer uma refeição com pecadores era errado, pessoas com quem não se devia conviver. Não soa familiar? Não há uma organização que acha como os velhos escribas e fariseus que o que é necessário aos pecadores esclarecidos é que sejam ostracizados da forma mais severa? Que tais pecadores, como dizem “impenitentes” sejam lançados “fora” do redil ao invés de cuidados ternamente de se ir à procura da “ovelha perdida”, até perceberem que o seu caminho não é o melhor, para eles mesmos? Mas qual quê, é preferível que nem a família os considere, como se estivessem já mortos e enterrados! Que se negue o contacto do pai ao filho e da filha à mãe.     

Citam igualmente a passagem aqui em João 21:15-17, quando Jesus insistiu com Pedro que cuidasse das suas “ovelhinhas”. Mais uma vez querem passara a ideia que isso implica manter ovelhas num qualquer redil. Há contudo uma pergunta básica: Quem são as “ovelhinhas” de Jesus? Se ele morreu por todos, todos são potenciais ovelhas que se podem beneficiar do seu sacrifício.

De igual forma aqui, a questão não era levar as pessoas para uma organização, mas o cuidar delas enquanto pessoas, da sua felicidade.


Apascentar” não é feito num redil! Obriga o pastor a ir junto com as ovelhas e a indicar-lhes onde os pastos são melhores, um em que se sintam satisfeitas. Não é uma posição semelhante a contar cabeças num curral, para ver quem tem mais. E é apenas nisso que as religiões estão interessadas, em contar cabeças e quanto mais domesticadas melhor. Aliás é curioso que ao invés de imitar o pastor que deu a sua vida pelas ovelhinhas, estas prefiram imitar o velho modelo de as queimarem no altar...

Os Jardineiros de Ilusões



Muitos, quando se chega a idade da reforma ou apenas com um fito terapêutico que a vida moderna é plena de stress, dedicam-se à jardinagem. Tal actividade produz algum prazer, algum bem-estar para quem a ela se dedica e ao mesmo tempo pode proporcionar prazer e bem-estar a quem observa o resultado. Nenhum de nós é insensível à beleza das flores, ou tão só ao seu perfume.

É importante considerar que a dedicação à jardinagem não constitui uma actividade essencial que satisfaça ou sirva de complemento a alguma actividade que sirva para satisfazer uma necessidade básica ou que se constitua como complemento de uma que assegure a sobrevivência da espécie. A jardinagem claramente não é uma dessas actividades, ao contrário por exemplo da horticultura.

Não é que a jardinagem não contribua para uma vida mais agradável, mas o facto é que se vive mesmo sem ela. Outras actividades humanas seguem este padrão, de não se constituírem como actividades essências da existência, mas mesmo assim acrescentando bem-estar e qualidade de vida. A vida seria mais pobre e muito mais básica sem jardins. Também seria mais pobre, sem música, sem literatura, sem cinema, sem teatro, sem pintura, sem escultura, etc.

Mas uma outra actividade que se pode comparar a essas e que nos pode passar despercebida no imediato é a religião.

Os jardineiros são pessoas que amam o belo, sentimentos elevados que lhes conferem um senso de realização e paz. Os jardineiros são regra geral, pessoas calmas, elas sabem que os resultados dos seus labores precisam de tempo para se apreciarem. O jardineiro é apenas um colaborador de uma força maior, que faz com que as plantas cresçam e floresçam. Mas o jardineiro não controla essa força, é subjugado por ela. O jardineiro é ao mesmo tempo uma pessoa de paixões tranquilas pois, pelo menos alguns deles, dedicam-se às vezes em exclusivo a uma planta. Uns dedicam-se às orquídeas, outros às rosas, por exemplo. O jardineiro sabe que o tempo é um bem precioso e que por isso precisam de o dedicar a um só amor.

Mas depois, há os que não sendo jardineiros, são buscadores de oportunidades e que sabem bem aproveitar-se das paixões dos outros. Se a rosa criada pelo jardineiro dedicado atrai as multidões, eles estão prontos a facturar cavalgando o bem alheio. São os que têm o dom de ver todo o prazer convertido num ganho!

São estes mesmos que no campo religioso saltam do plano ideológico para o campo organizativo. Para eles não basta a beleza de reinterpretar a espiritualidade, o que os faz delirar é possibilidade de mandarem no próximo, de o dominarem como propriedade sua, de lucrarem com ele. São os que ao invés de sonhar alto, sonham e acabam a concretizar organizações, regras e hierarquias. Mesmo que apregoem a igualdade, o que têm em mente é igualdade da obediência aos seus dislates.

Eles parasitam os sonhos e a criação e a beleza que outros descobrem. Com isso matam os sonhos, impedem a criação e transformam o belo numa caricatura horrenda.

Depois há os passivos incapazes, que nunca deitaram uma semente à terra para ver o que nasce. São os espectadores cegos, que precisam que os conduzam, que lhe indiquem o que é belo, para que apáticos de boca aberta alguém lhes diga que é aquela rosa a que devem admirar. São estes que reclamam, quando se lhes tira a flor da frente, mesmo que esta já tenha murchado e cheire mal. São os que perguntam se não há outra flor para substituir aquela, pois são incapazes de cultivar uma por si mesmos. No campo da religião, são os mesmos que se perguntam quando se lhes mostra que a sua flor feneceu: Mas que flor oferecem vocês?


A verdade não é uma flor, é o que é. Mas se fosse seria uma rosa, porque tem espinhos, e às vezes magoa.

Você Fará Sacrifícios Pelo Reino?



Estes exercícios de auto-referenciação viciaram-me. Cá vai portanto, os comentários para o artigo com o tema em epígrafe, em A Sentinela! de 15 de dezembro. Não se esqueçam que podem procurá-la aqui http://www.jw.org

Têm de me desculpar, comentar um pouco menos, mas os artigos são de uma pobreza intelectual e exegética que até dá dó. Nota-se nestes últimos artigos, o medo que ataca o Corpo Governante, a cúpula do movimento das Testemunhas de Jeová, e que estabelece a teologia e as regras que os seguidores devem aceitar. Apesar de parecer, pela leitura das publicações, que tudo se trata de voluntarismo por parte dos súbditos, isso é bastante ilusório, pois existe uma vigilância apertada nas congregações que denunciam todo o comportamento desviante. Os membros podem mesmo vir a ser expulsos por falhas na aceitação da teologia e/ou regras. Este é um assunto sério entre eles, porque os membros não podem ter qualquer contacto com aqueles que são expulsos. Recentemente um rapaz, pai de filhos, foi expulso e acabou por se suicidar. Certamente o facto de não poder contactar com os membros da sua família, deve ter contribuído para este acto desesperado [1]. Mas não será por isso que o Corpo Governante alterará as suas regras humanas, ensinando mandados de homens como se de Deus se tratassem [2].

Passemos então aos comentários aos diversos parágrafos do artigo de estudo. Não comentaremos todos os parágrafos como já dissemos.

Parágrafo 1
O Reino era a coisa mais importante na sua vida.
Comentário
Confunde-se sempre o Reino com a Organização. É uma confusão propositada e alimentada, isso é notório em todo o artigo.

Parágrafo 2
...a obra de pregação está avançando...
Comentário
Por acaso esta afirmação não é verdadeira. A fazer fé nos números a obra está a estagnar. E nem é de agora. Para mais pormenores sigam a ligação: http://www.jwfacts.com/watchtower/statistics.php

Parágrafo 2
...ele é vital para os interesses do Reino.
Comentário segundo
A questão devia ser um pouco mais esta: Se acabar a Organização, acaba o Reino? Parece-me que não, se é que alguma lição se pode tirar da destruição do Templo em Jerusalém em 70 EC.

Parágrafo 3
Todos nós, porém, devemos fazer uma auto-análise.
Comentário
Quem devia fazer uma auto-análise era o Corpo Governante. Este apenas quer assegurar que continuará a ter sentido a sua existência, mesmo que a sua teologia tenha de sofrer uma esforçada torção. Muitas delas dão mesmo uma volta de 180º.

Parágrafo 3
Será que podemos fazer mais sacrifícios pelo Reino? Como estamos usando nosso tempo, dinheiro, energia e habilidades? Que cuidado devemos ter?
Comentário segundo
Estão a ver como a confusão entre Reino e Organização é forçada? Mas as perguntas que o Corpo Governante devia fazer era: Porque estão os publicadores a desanimar? Porque cada vez o movimento atrai menos pessoas? Será que isso se dá porque as tretas são demasiado evidentes?
Não despercebam que a Organização está a demandar tudo dos seus súbditos: tempo, dinheiro, energia e habilidades! Se censuram a IURD por esmifrar os seus devotos, deviam olhar-se ao espelho e ver que não esmifram menos.

Parágrafo 3
...sacrifícios voluntários, o que aumentará nossa alegria.
Comentário terceiro
Aqui vem-me à lembrança um livro [3] em que o autor diz que em dadas circunstâncias, em especial quando não há alternativas, nós humanos fazemos a síntese da felicidade. Ou seja, uma situação que não é nada feliz, é interpretada e sentida como produtora de felicidade. Um pouco como uma pessoa com uma unha encravada e na impossibilidade de resolver o problema diga: “A principio custava-me, mas agora entendo que esse é o modo que a natureza escolheu, portanto sinto-me feliz por estar a experimentar em primeira mão, um fenómeno natural.” A dor está lá, mas a leitura que se faz dela é outra. As Testemunhas de Jeová quando contam as suas “experiências” fazem isto muitas vezes.

Parágrafo 4
Os sacrifícios eram necessários para que o povo tivesse o favor de Jeová.
Comentário
Consegue apanhar o paralelo que é possível fazer com as idas a pé a Fátima?
No fundo trata-se do velho negócio religioso de barganhar com Deus: Se eu te fizer isto, tu dás-me aquilo.
Um bocado infantil, não acham? Não consigo imaginar Deus a negociar assim... Mas ao que parece o Corpo Governante acha perfeitamente plausível.

Parágrafo 5
...até mesmo os pobres podem fazer sacrifícios...
Comentário
Infelizmente os pobres são sempre sacrificados. Para além de explorados e daí serem pobres, são também enganados por espertalhões interessados em tirar-lhes o pouco que ainda têm.

Parágrafo 6
...animal...um sacrifício...
Comentário
É preciso ainda encarar o facto de que sacrifícios animais, são um barbarismo, mesmo que isso seja uma ordem de Deus. Eu acho que é um aproveitamento de uma velha tradição, por parte de Deus e não propriamente uma invenção ou ordem Deste. Mas admito que isto é uma interpretação não exegética.

Parágrafo 6
Jeová especificou que, se alguém numa condição impura oferecesse um sacrifício de participação em comum, o que incluía ofertas voluntárias, ele seria decepado do povo de Deus.
Comentário segundo
Devemos perguntar o que pensará Jeová de uma Organização que abriga pedófilos no seu seio?

 Parágrafo 7
...construção de Salões do Reino...
Comentário
Estas construções apenas aumentam o património imobiliário da Organização! Os Salões embora mantidos localmente, não são propriedade da congregação ou congregações locais. Aliás, a Organização vê com algumas reticências qualquer Salão que não seja ou não possa tornar-se propriedade sua. Para quem acha que o fim está próximo, a sua ânsia de se tornar proprietária é deveras curiosa.
Aliás é interessante considerar quantas sinagogas construiu Jesus, ou quantos edifícios de reunião construíram os primeiros cristãos. Ao que parece, e contrário à Organização, os cristãos reuniam-se em casas particulares. Só depois na apostasia é que começaram a construir igrejas. Querem ver que o Corpo Governante também está contaminado com apostasia?!

Parágrafo 9
...não tinham muito tempo e deviam aproveitá-lo ao máximo para cuidar das coisas importantes.
Comentário
Aqui nota-se que o mais importante para o Corpo Governante é manter a máquina a rolar! A mensagem é: não percam tempo com o que vos faz felizes, que a vossa felicidade é sacrificarem-se pela Organização!

Parágrafo 10
...dezenas de milhões de dólares são usados par cuidar dos gastos com superintendentes viajantes, pioneiros especiais e missionários.
Comentário
Os aqui mencionados são os funcionários teocráticos que a Organização inventou para manter a máquina em movimento, numa cadeia hierárquica bem definida, e que claramente contraria a ideia de uma organização sem classes, como costumam dizer sem clérigos nem leigos. O que é certo é que têm estes “profissionais”.
E se gastam dinheiro com eles, acho bem estranho como isso tem base bíblica, pois pelo que sei Paulo como missionário não consta que recebesse, nem qualquer outro!

Parágrafo 11
Jeová se agrada muito dessa disposição.
Comentário
O contexto mostra que os membros deviam juntar dinheiro para entregar depois na congregação. E concluem com essa frase. Mas o que me intriga, porque há-de Jeová agradar-se com essa disposição? Acaso recebe por transferência bancária?

Parágrafo 12
Ele promete nos ajudar quando nos sentimos cansados.
Comentário
O que se quer dizer é que ninguém tem desculpa e nem pensem dizer que estão cansados! Isso é apenas uma fraca desculpa para não dar, para se recusar ao sacrifício.
E tem mais, reparem bem na subtileza, se ficarem encrencados não venham à Organização pedir ajuda, aí quem dá é Jeová! Mas o dinheiro foi para quem mesmo? Não são mesmo muito diferentes dos católicos ou da IURD, pois não?

Parágrafo 15
...por isso trabalhavam na construção durante o dia e, à noite, iam para os campos plantar. Um excelente exemplo de sacrifícios a favor do Reino! Isso nos faz lembrar os irmãos da Macedónia, no primeiro século. Eles viviam em extrema “pobreza”, mas ainda assim rogavam pelo privilégio de participar...
Comentário
A comparação é perversa: num caso o único beneficiado materialmente é a Organização, no primeiro século tratava-se de ajudar materialmente pessoas carentes, não qualquer organização teocrática existente.
Os aspectos de ajuda humanitária são um aspecto sempre secundário para a Organização!

Parágrafo 15
Que cada um de nós também 'dê de modo proporcional à bênção que Jeová nos tem dado'.
Comentário
Parecemos a IURD!

Parágrafo 16
Precisamos manter o equilíbrio ao cuidarmos das nossas principais responsabilidades, ou seja, as familiares e as espirituais.
Comentário
Depois de citarem o exemplo de cristãos que de dia trabalharam na construção de um Salão e de noite iam cuidar dos seus campos, como podem vir com esta hipocrisia de “manter o equilíbrio”? Que equilíbrio há em trabalhar noite e dia?

Parágrafo 18
...participar o máximo possível...
Comentário
No parágrafo 16 falavam de equilíbrio, ainda se lembram?


Talvez pense que caricaturo em demasia, nos comentários que faço. Admito que possam ter alguma razão. Mas esta caricatura é necessária para trazer à evidência o que precisa ser evidenciado. Presumo que para as Testemunhas de Jeová sinceras poderá parecer chocante, mas isso é apenas porque tal como Paulo depois da cegueira do deslumbramento as escamas têm de cair dos olhos, aqui claramente olhos de entendimento. O exercício pode ser doloroso, mas como se diz: A verdade dói!




[2] Marcos 7:7 “É em vão que persistem em adorar-me, porque ensinam por doutrinas os mandados de homens.”

[3] “Stumbling on Hapiness” de Daniel Gilbert