quarta-feira, 20 de julho de 2011

Pensamento Religioso

Gostamos de pensar que somos indivíduos evoluídos e que estamos bem para lá das superstições religiosas ou outras de teor semelhante. A ideia de um mundo metafísico é veementemente rejeitada, como uma posição pouco ou nada racional.

Um pouco de humildade não faz mal nenhum, de modo a colocar as coisas na devida perspectiva. O pensamento religioso não surgiu apenas por surgir, ele obviamente respondia a um conjunto de necessidades humanas e foi por isso que se manteve até aos dias de hoje.

A atitude de acreditar em irracionalidades ainda se mantém. Os economistas acreditam em coisas misteriosas como ‘forças de mercado’, ou em irracionalidades como ‘crescimento’ infinito, mimando em certo sentido o que se passa com a religião [1].

Mesmo os cientistas tidos como insuspeitos nesta questão de racionalidade e objectividade se deixam enredar em fraudes e manipulação, como aconteceu com o crânio de Piltdown [2] ou os recentes escândalos sobre as alterações climáticas.

A atitude de veneração, que no pensamento religioso é canalizada para a apreciação da vida dos santos e a esperança que eles intervenham a nosso favor, é no mundo actual canalizada para a admiração de personalidades e também esperamos que estas nos tragam uma vida mais feliz ou menos miserável. Ou até mesmo canalizada para a admiração da ciência e que esta se converta qual mágica varinha de condão, na resolução dos nossos problemas.

A adoração de figuras políticas, elevadas a figuras míticas nos países ateus é outro exemplo. Mas também é alimentada em posters de Einstein, ou na confiança dogmática de que a ciência contém a chave da felicidade [3].

Afinal tudo não passa ainda de resquícios do pensamento religioso.

Há até agora uma forma de proselitismo ateísta que se confunde com o proselitismo religioso e enferma dos mesmos males. O que acredita em algo metafísico é rotulado de supersticioso, irracional, dogmático e atrasado. [4]

Esquecemo-nos que o pensamento religioso foi uma necessidade humana. Um recurso que a nossa tendência para o agenciamento nos trouxe.

Será que o pensamento religioso não é apenas uma estratégia evolutiva, para nos fazer sentir bem e como tal dar-nos uma vantagem competitiva?

Sabemos agora que somos mais ou menos religiosos, consoante a nossa actividade dopamínica no lobo central [5]. É a dopomina que está por trás das nossas paixões e afecta a nossa vida sexual. Portanto pode dar-se que assim como sentimos prazer na propagação dos genes (sexo), sentimos prazer em acreditar que há uma outra realidade superior, metafísica.

Aceitamos que a necessidade de compreender o sentido da vida é suficientemente importante para ocupar as mentes de filósofos, mas já não temos a mesma atitude para com os pensadores religiosos, os teólogos. E enquanto os filósofos ainda debatem a questão, os religiosos já lhe responderam apaziguando as nossas angústias. Qual é então o mais útil?

Esta necessidade premente de respostas às grandes interrogações do Homem, foi o que gerou o pensamento religioso. Chamamos a esta necessidade de espiritualidade. A religião procura satisfazer essa necessidade, embora e infelizmente na sua vasta maioria, tenha contribuído para a sufocar. A ciência pode trazer uma resposta mais lúcida, mas ainda assim será sempre insuficiente. Não é o modo como o mundo trabalha que satisfaz a nossa espiritualidade. A espiritualidade é muito mais exigente, porque quer saber os porquês.

O nosso actual mundo desprovido de deuses e da sua sobrenaturalidade sublima-se num retorno à natureza ou no fascínio por histórias fantásticas [6]. O moderno capitalismo converteu a necessidade espiritual numa “filosofia da futilidade” e “ausência de propósito de vida” que alimenta o consumismo [7], convertendo a procura de sentido, na procura e aquisição de bens.

Por isso, enquanto as grandes questões que são: “Donde viemos? Porque estamos aqui? Para onde vamos?” permanecerem e não forem satisfatoriamente respondidas, o pensamento religioso terá uma razão para existir.

[1] “When Religion Becames Evil” por Charles Kimball, p.17, 2008
[2] http://en.wikipedia.org/wiki/Piltdown_Man#Exposure_of_the_hoax em 19/Jul/2011
[3] Jaques Fresno, por exemplo.
[4] Richard Dawkins e Michael Shermer, por exemplo.
[5] “Where God and Science Meet: How Brain and Evolutionary Studies Alter Our Understanding of Religion” – Volume 2, Capítulo 1, pág. 10.
[6] Harry Potter ou Ufologia por exemplo.
[7] “Hegemony or Survival – America’s Quest for Global Dominance” por Noam Chomsky, p.76

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O que nos faz felizes?

A felicidade não é algo tão difícil de definir que não possa ser estudado objectivamente. Alguns académicos de ramos tão diferentes quanto a psicologia, as neurociências, a economia e a filosofia têm contribuído para que esta questão, sobre o que realmente nos faz felizes. Finalmente é possível uma resposta satisfatória há pergunta: O que nos faz felizes?

Direi de imediato que há quatro coisas que contribuem para a nossa felicidade:

1.      Termos pouca escolha
2.      Senso de pertença a um grupo
3.      Acreditar numa causa maior
4.      A ideia que controlamos a nossa vida

Passarei agora a desenvolver cada um destes aspectos:


Termos poucas escolhas. Contrariamente ao senso comum, não é na abundância que encontramos a felicidade. Somos muito mais felizes quando as nossas escolhas são bem limitadas. Se tivermos muita coisa para escolher, essa abundância apenas acrescenta angústia. [1] Também as escolhas que fazemos devem ser o mais definitivas possível, sem a hipótese de podermos voltar atrás, mesmo se eventualmente acharmos que fizemos a escolha errada. Também em circunstâncias infelizes, somos capazes de fabricar a felicidade que nos falta. É por isso que alguns indivíduos conseguem ser felizes em circunstâncias inimagináveis como por exemplo, campos de concentração. [2]


Senso de pertença a um grupo. Partilhamos mais de 97% dos nossos genes com os chimpanzés, o que alguns interpretam como prova da nossa ancestralidade comum. Os chimpanzés são animais sociais. Os animais sociais têm certas vantagens em termos de sobrevivência que animais menos sociais não têm. Alguns acham mesmo que a inteligência só se desenvolve entre espécies sociais. Seja como for, todos nos sentimos melhor quando nos sentimos enquadrados num grupo, como pertencendo a esse grupo e o nosso papel nele está claramente estabelecido. O primeiro grupo a que pertencemos é a família, depois pode ir-se alargando. As religiões menores em número de membros procuram alimentar este aspecto reforçando os laços entre estes, de modo que este senso de pertença seja bem forte.


Acreditar numa causa maior. Quando a nossa vida não parece limitada a uns poucos de anos à superfície do planeta para ser esquecida umas dezenas de anos após a nossa morte, esta adquire um sentido. É importante para a nossa felicidade acreditar que fazemos parte de um destino, de algo que nos transcende, mas do qual fazemos parte. Toda a esperança tem na sua base esta fé, este acreditar numa causa maior.


A ideia que controlamos a nossa vida. Se por alguma razão percebermos que as nossas escolhas não determinam o rumo da nossa vida, isto é, que ao invés de controlarmos os acontecimentos, são estes que nos controlam, isso tem um efeito pernicioso e até mesmo letal, em nós. Está intrínseco aqui a noção de poder. Para que a vida nos pareça merecer a pena ser vivida, temos de ter poder, alguma sensação de poder. [3]
Algumas ‘mitologias’ contemporâneas sobre o que nos faz felizes:


Ser rico. Não há nenhum estudo que prove que quanto mais rico se é, mais feliz se é. O que nos faz felizes mesmo é sermos todos classe-média.


Ter filhos. Ter filhos não contribui para a felicidade. Aliás estudos parecem comprovar antes o contrário: Os casais ficam infelizes com o nascimento do primeiro filho e voltam a reganhar felicidade quando o último filho sai de casa!


Sou único! Pensar que é especial ou único é apenas uma ilusão sua. Se o fosse as sondagens não serviriam para absolutamente nada! Contudo não é assim, porque somos todos muito iguais uns aos outros.


[1] “The Paradox of Choice: Why Less Is More” por Barry Schwartz
[2] “Stumbling on Happiness” por Daniel Gilbert, Capítulo 8
[3] Como se depreende a ânsia pelo poder revela uma insegurança fundamental!