Dependemos, para a nossa compreensão do mundo, dos sentidos.
Sendo estes por sua vez, interpretados pelo nosso cérebro. Este por sua vez
atribui significado à nossa perceção permitindo construir uma realidade. O
primeiro ponto é que esta realidade é só nossa, fazendo de cada um de nós uma
ilha. O sermos uma espécie social, que desenvolveu linguagem é que nos permite
partilhá-la. Isso dá-nos a primeira ilusão: a de que vivemos uma realidade
comum.
O segundo ponto é que a forma como construímos a realidade
em nossa mente, é apenas uma colagem fragmentada do que os nossos sentidos fornecem
como matéria-prima para a sua construção. A quantidade de informação que nos
chega através dos sentidos seria suficiente para assoberbar qualquer sistema de
recolha de dados. Portanto o que chega ao cérebro para processamento já foi
filtrado antes. Isso constitui a segunda ilusão: A nossa perceção nunca é
completa, mas constitui-se de fragmentos.
O terceiro ponto é que mesmo o que é filtrado provindo dos
sentidos nem sempre é produto do mundo físico, mas antes uma construção que o
cérebro gera para compensar os hiatos. Existem nas nossas retinas um lugar que
é cego, precisamente onde esta se liga ao nervo ótico. Contudo o nosso cérebro
dá-nos imagens do que se vê sem um ponto negro, cego. Quer acredite, quer não,
o seu cérebro “construiu” a parte que o olho não vê e não somos capazes de nos
dar conta disso.
Fazemos por nos ver num continuum
temporal, por isso podemos confabular para preencher as memórias que não temos.
O que de fato fazemos constantemente, construindo uma narrativa pessoal em que
inserimos os outros de modo a que haja pelo menos a ilusão de coerência, de
continuidade. Mas são memórias criadas e não resultaram de experiência.
Há assim uma obrigação honesta, que é de reconhecer que não
sabemos o que é a realidade. Na tentativa de ultrapassar as nossas mais do que
óbvias limitações, construímos modelos da realidade. Os modelos são construções
teóricas, conceitos que nos permitem fazer uma ideia do que a realidade poderá
ser. O que quer dizer, em sincera admissão, que nunca teremos a certeza.
Nem sequer temos a certeza de quem somos, já que
possivelmente os outros não nos veem como pensamos ser. Assim há um exercício de
humildade que é necessário ter ao considerar o que pensamos ser. [1] Até porque
o que somos agora, pode ser diferente do que somos amanhã. [2]
A pesquisa instantânea através dos motores de busca como o
Google dá-nos a ilusão do conhecimento. Num instante temos a informação sobre
tudo o que quisermos, mas isso não faz de nós um especialista. Ler jornais
também já não nos põe ao corrente dos factos, mas antes filtra-os e manipula-os
em função de ideologia ou de interesses escondidos. A ética no rigor esvai-se
na maré de “fake-news”, a ponto de ser uma questão de fé em que notícias
acreditar. E como em qualquer outra fé o desapontamento pode estar ao virar da
esquina.
Se no mais essencial temos um deficitário conhecimento, como
nos podemos lançar na presunção da teologia e colocando mais uma incógnita, ou
seja Deus, afirmar que sabemos o que é a realidade e mais ainda, como esta veio
à existência.
Talvez a teologia não passe de uma elaboração cerebral, na
sua inclinação para a efabulação. Mas acho que resulta na incapacidade que as
crianças demonstram em compreender a morte física, mas não a psíquica. Para
elas a consciência nunca morre, é eterna. E para nós adultos custa conceber uma
realidade onde não estamos. [3]
Gostamos de ser enganados mesmo sabendo que o estamos a ser.
Quem nunca assistiu a um espetáculo de magia que atire a primeira pedra! [4] Ou
quem nunca viu um filme!
Gostamos de cinema, em que um conjunto de imagens paradas
nos dá a ilusão de movimento. E estas imagens em planos cortados sucessivamente
contam-nos uma história, como a nossa memória faz, em parcelas, contando a nós
mesmos uma história que parece contínua.
Mergulhamos em ilusão. Vivemos sempre debaixo de três
ilusões:
A de pensar que conhecemos a
realidade.
A de pensar que sabemos quem
somos.
A de pensar que somos eternos.
As duas primeiras preparam-nos para a última, sendo esta
última alimentada em força, pela religião.
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