sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Progresso Espiritual Cristão



Vamos abordar em termos exegéticos aquilo que significa ser cristão e como decorre o progresso espiritual de alguém que se diz cristão. A abordagem é necessariamente exegética porque é inútil discutir se faz sentido ter ou não uma religião ou acreditar em Deus, para aquele que já é crente, assumindo com seriedade e sinceridade a sua crença.
Portanto em termos puramente baseados nas Escrituras (sola scriptura), as mesmas em que o cristianismo assenta e a partir das quais se desenvolveu, vamos falar de progresso espiritual.
O progresso espiritual não pode ser medido em termos do que alguém aparenta, ou seja, pelo que faz. O que faz pode ser uma ilusão, uma aparência de espiritualidade, como ocorreu com o farisaísmo tão prontamente denunciado pelo Cristo. Se é verdade que "a fé sem obras está morta"[1], não é menos verdadeiro que fazer "sem amor, é como um címbalo que retine"[2] sendo a obra então um vazio.
O progresso espiritual pode antes medir-se naquilo em que modifica o indivíduo, no seu íntimo e na sua relação com os outros e a restante criação. Se essas relações se tornam mais sólidas, mais nítidas de intenção e de propósito, há um claro progresso. Outra medida, é a forma como o indivíduo se lê em relação a si próprio. Ou seja, se ele sente essas mudanças como um progresso, uma iluminação. Se essa progressão lhe dá contentamento, mesmo que não lhe traga felicidade. Porque, afinal, a verdade pode revelar-se cruel. Ou crua.
A espiritualidade das aparências veicula a literalidade e o formalismo.
Ou como menciona o erudito Johannes H. Scholten: "Os profetas dão lugar à sinagoga, a proclamação ao vivo da verdade à erudição,  o espírito de liberdade à servil sujeição à Escritura e à tradição. "[3]
Em suma, trata-se de cercear a relação entre Deus e o homem na sua essência mais básica. A espiritualidade passa a ser um mero paramento, um teatro ritualizado. Esvazia-se.
Cristo vem recuperar a relação pessoal com Deus, encher a prática de um sentido prático, desvalorizando o ritual, fazendo da espiritualidade uma alavanca para um mundo melhor: Ama a Deus com o melhor de ti mesmo, mas depois de por isso seres tu mesmo melhor, "ama o teu próximo como a ti mesmo"[4].
Esta mantra cristã deve ecoar permanentemente no crente, fazendo-o re-ganhar "a liberdade"[5] que é o que o espírito de Deus produz. Uma liberdade que permite a proclamação da verdade. Verdade esta que resulta de uma busca individual, não manietada pela erudição, nem pela Escritura, nem pela tradição. A proclamação da verdade é afinal e tão somente um testemunho, resultado de uma experiência pessoal de âmbito profundo. É o reabilitar do passado, o papel singular do profeta. Do que mesmo que a contra-gosto como Jeremias não pode ficar calado, face à impelência do espírito[6].
A verdadeira espiritualidade é dinâmica e infunde coragem ao indivíduo. Projecta-o a uma dimensão maior do que ele próprio sem contudo lhe roubar a humildade e a modéstia. Se ganha poder, este poder é de Deus e visa a sua glória e não uma terrena. É a máxima "não temais quem mata o corpo, mas quem pode destruir a alma"[7].
Os profetas visavam os melhores interesses daqueles a que falaram. Visavam um arrependimento, uma mudança de atitude ou uma atitude que permitisse aos seus ouvintes serem bem sucedidos. No fundo parece ser esse o interesse de Deus. Cristo faz um extenso discurso sobre como ser feliz no seu famoso Sermão do Monte.
Contudo, muitas vezes, num paradoxo fascinante, os profetas são vítimas do seu amor a Deus e ao próximo. Cristo denúncia ao dizer que os de espiritualidade vazia e servil são afinal os descendentes dos "que mataram os profetas", mesmo que agora lhes cuidem das sepulturas, mas sem genuíno arrependimento, sem mudança de atitude[8].
Crescer em sentido espiritual afigura-se então uma espécie de idade adulta da espiritualidade. Uma que assegura a genuinidade da palavra um "sim que significa sim, e um não um não"[9],  uma experiência com Deus tão intensa que permite o testemunho, não como ritual paramentado e decorado, mas como água fresca e pura que leva a dizer "homem algum falou como este"[10] ou quando se sugeriu aos que com ele privaram que se fossem, disseram "para quem iremos?"[11]

[1] Tiago 2:26
[2] 1 Coríntios 13:1
[3] "A Comparative View of Religions"
[4] Marco 12:30, 31
[5] 2 Coríntios 3:17
[6] Jeremias 20:9
[7] Mateus 10:28
[8] Mateus 23:29 a 31
[9] Mateus 5:37
[10] João 7:46
[11] João 6:68

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