Em algum ponto, acontece
interrogar-mo-nos sobre o que fizemos com a nossa vida. Talvez nos arrependamos
das coisas que deixamos inacabadas ou daquelas que podíamos ter feito e não
fizemos.
Pela imensidão de possibilidades
que a nossa vida podia ter tomado, tal reflexão não é cómoda e é natural que
não queiramos pensar muito nisso. Mas quem teve uma esperança que afundou e que
o deixou sem outra escolha que não seja o reflectir, não há alternativa.
Quero em primeiro lugar dizer-vos
que vos compreendo demasiado bem e sei da angústia associada. Tomemos coragem
então e prossigamos numa reflexão sobre o assunto.
A primeira questão é: Precisa a
vida de ter sentido?
A vida existe desde há milhões de
anos e mesmo antes de saber interrogar-se, existia, mesmo que sem qualquer
sentido. Portanto, a resposta é cândida e simples: A vida não precisa de ter
sentido. Basta-lhe meramente existir.
De um ponto de vista científico (e
aqui voltaremos de novo), a vida é apenas um conjunto fortuito de acontecimentos
que desembocou em nós, mas que de modo algum a nós se limitará. Porque a
natureza do Universo pariu a vida, parece-me um mistério que nunca terá
resposta satisfatória.
A segunda questão e esta mais
dolorosa: Preciso eu de um sentido para a minha vida?
Isto é, que justificação damos a
nós mesmos para continuar vivendo? Se a morte é natural, porque a sentimos como
uma contrariedade? Porque a embelezamos com esperanças de uma continuidade, de
alguma forma, em algum lugar? Porque a vida se agarra a essa condição com
tenacidade? Porque se nos deu um instinto de sobrevivência? Há propósito em
viver?
Destas questões e da
impossibilidade de se lhes responder em termos definitivos surgiu primeiro a
religião. Esta com propósitos mais imediatos de nos enquadrar dentro do drama
cosmico e de nesta pequenez humana nos erguer, quando não como deuses, como
próximos destes. Serviu assim a nobre função de amparar as nossas angústias
face à cruel realidade de uma vida curta, insignificante na sua duração, quando
comparada às vagas de humanos, geração após geração.
Digerimos mal ainda estas reflexões
e as angústias que causam. Somos ainda muito animalescamente imediatos. A
sobrevivência, sempre a sobrevivência. Somos meros escravos dos genes que
querem passar uma geração mais adiante. Daí que nos tempos antigos, a
esterilidade seja vista como maldição, como um fim definitivo. Realmente drama de não ter filhos, passa por essa
consciência que não deixamos nenhum legado.
Que sentido devemos dar à vida?
Cada um naturalmente a enche do
sentido que acha que esta deve ter. Por isso as mães se sentem tão realizadas
por deitarem filhos ao mundo, como se a continuidade genética fosse per si,
sentido suficiente. Talvez seja realmente o maior sentido que a vida tem.
Mas muitos acham que isso não
basta. Para encherem a vida de sentido, procuram construir um mundo melhor,
deixá-lo mais agradável de ser usufruído. Enveredam por activismos de vária
índole, alguns com grande sacrifício pessoal. Foram as lutas contra a
escravatura, o direito ao voto por parte das mulheres, etc. Uma admirável
multidão de vítimas que a encheram de sentido, desse sentido que lhes deu um
rumo e contribuiu para o nosso rumo actual.
Outros procuram deixar o seu
legado, talvez enveredando por alguma arte, deixando-nos o seu testemunho de
quando por aqui andaram. Deixam-nos romances, poesia, pintura, escultura,
música. Eles alargam o Universo e tornam-no belo e suportável. Mesmo quando
retratam as angústias comuns, ou os pesadelos pessoais, deixam um legado. Não
importa se faz sentido, se acham sentido nisso. Basta que deixem uma memória de
si mesmos, como se de algum modo isso os fizesse perdurar no tempo.
Outros talvez se dediquem com
afinco a perseguir as questões mais básicas sobre a existência através da
ciência. A ciência é mera ferramenta nas mãos destas formiguinhas. Uma
ferramenta humana, mas muito eficaz. O que nos diz a ciência sobre o sentido da
vida? Muitos pensarão que não pode dizer nada, que essa não é matéria sobre que
se debruce, área que possa explorar. Não o creio. Pelo menos de forma plena e
inteira, porquanto a ciência nos abre para a realidade que não descortinamos de
imediato.
Então que nos diz a ciência sobre o
sentido da vida?
Ela diz-nos que as construções
estruturais, a forma como vemos o mundo é fundamental para lhe dar sentido. Ela
mostra que criamos essas estruturas (em inglês “frameworks”) com objectivos
muito pragmáticos que vão beber ao tal instinto de sobrevivência.
Ela diz-nos que o Universo é sempre
maior do que temos noção. As estrelas passaram de pontinhos cintilantes até
aglomerados de galáxias em crescendo até a angústia. Esta de sabermos que a
cada abertura do horizonte nos tornamos mais pequenos. Está em vias de nos
querer dizer que talvez não existe só um Universo , mas muitos, acrescentando
pequenez à nossa pequenez. Se a mera existência nos parece tão curta, a
distância torna a caminhada ridícula. Somos pó em cima de um berlinde azul.
Ela, a ciência não o esqueçam,
diz-nos que o mundo não é o que parece e que as grandezas se transformam. O
tempo dilata e encolhe, uma coisa pode ser partícula e onda e as coisas para
acontecerem têm de ter um observador. Talvez acontecessem na mesma, mas só com
um observador adquirem um estado mais definitivo.
Ela, diz-nos que talvez não seja o
mundo material a fazer acontecer, mas o da consciência. Revirando do avesso
tudo o que pensávamos saber até aqui. Invertendo o referencial de causalidade
que agora não é mais das partículas elementares para o resto, mas da
consciência para a partícula.
A ciência é a arte das surpresas
que nos diz que apesar da nossa vida não ter sentido, estamos longe de nos
deixar abater pelo que não sabemos. As gerações, essas vindouras, hão-de rir-se
dos nossos medos e da nossa noção de sentido. Elas descobrirão talvez, que tudo
isto é uma matrix, uma ilusão e que realmente não precisamos ter medo ou de
temer, porque a vida não acaba, apenas se transmuta como a partícula que umas
vezes é e outras se transforma numa onda.
E sim, sempre tudo esteve à nossa
frente, só não sabíamos para onde olhar. Ou tão só o que devíamos esperar ver.
No fim fechando o ciclo, os místicos terão razão, que o mundo não é apenas
"isto“, mas há outras realidades que no presente e por agora se nos
escapam.
Talvez haja sentido para a
esperança e como diz o ditado, enquanto há vida...
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