sábado, 1 de março de 2014

Os Jardineiros de Ilusões



Muitos, quando se chega a idade da reforma ou apenas com um fito terapêutico que a vida moderna é plena de stress, dedicam-se à jardinagem. Tal actividade produz algum prazer, algum bem-estar para quem a ela se dedica e ao mesmo tempo pode proporcionar prazer e bem-estar a quem observa o resultado. Nenhum de nós é insensível à beleza das flores, ou tão só ao seu perfume.

É importante considerar que a dedicação à jardinagem não constitui uma actividade essencial que satisfaça ou sirva de complemento a alguma actividade que sirva para satisfazer uma necessidade básica ou que se constitua como complemento de uma que assegure a sobrevivência da espécie. A jardinagem claramente não é uma dessas actividades, ao contrário por exemplo da horticultura.

Não é que a jardinagem não contribua para uma vida mais agradável, mas o facto é que se vive mesmo sem ela. Outras actividades humanas seguem este padrão, de não se constituírem como actividades essências da existência, mas mesmo assim acrescentando bem-estar e qualidade de vida. A vida seria mais pobre e muito mais básica sem jardins. Também seria mais pobre, sem música, sem literatura, sem cinema, sem teatro, sem pintura, sem escultura, etc.

Mas uma outra actividade que se pode comparar a essas e que nos pode passar despercebida no imediato é a religião.

Os jardineiros são pessoas que amam o belo, sentimentos elevados que lhes conferem um senso de realização e paz. Os jardineiros são regra geral, pessoas calmas, elas sabem que os resultados dos seus labores precisam de tempo para se apreciarem. O jardineiro é apenas um colaborador de uma força maior, que faz com que as plantas cresçam e floresçam. Mas o jardineiro não controla essa força, é subjugado por ela. O jardineiro é ao mesmo tempo uma pessoa de paixões tranquilas pois, pelo menos alguns deles, dedicam-se às vezes em exclusivo a uma planta. Uns dedicam-se às orquídeas, outros às rosas, por exemplo. O jardineiro sabe que o tempo é um bem precioso e que por isso precisam de o dedicar a um só amor.

Mas depois, há os que não sendo jardineiros, são buscadores de oportunidades e que sabem bem aproveitar-se das paixões dos outros. Se a rosa criada pelo jardineiro dedicado atrai as multidões, eles estão prontos a facturar cavalgando o bem alheio. São os que têm o dom de ver todo o prazer convertido num ganho!

São estes mesmos que no campo religioso saltam do plano ideológico para o campo organizativo. Para eles não basta a beleza de reinterpretar a espiritualidade, o que os faz delirar é possibilidade de mandarem no próximo, de o dominarem como propriedade sua, de lucrarem com ele. São os que ao invés de sonhar alto, sonham e acabam a concretizar organizações, regras e hierarquias. Mesmo que apregoem a igualdade, o que têm em mente é igualdade da obediência aos seus dislates.

Eles parasitam os sonhos e a criação e a beleza que outros descobrem. Com isso matam os sonhos, impedem a criação e transformam o belo numa caricatura horrenda.

Depois há os passivos incapazes, que nunca deitaram uma semente à terra para ver o que nasce. São os espectadores cegos, que precisam que os conduzam, que lhe indiquem o que é belo, para que apáticos de boca aberta alguém lhes diga que é aquela rosa a que devem admirar. São estes que reclamam, quando se lhes tira a flor da frente, mesmo que esta já tenha murchado e cheire mal. São os que perguntam se não há outra flor para substituir aquela, pois são incapazes de cultivar uma por si mesmos. No campo da religião, são os mesmos que se perguntam quando se lhes mostra que a sua flor feneceu: Mas que flor oferecem vocês?


A verdade não é uma flor, é o que é. Mas se fosse seria uma rosa, porque tem espinhos, e às vezes magoa.

Sem comentários:

Enviar um comentário