segunda-feira, 2 de abril de 2018

Imortalidade - Parte IV



O que é morrer?


Um tema de perto relacionado com o da imortalidade é compreender o que é a morte. E compreender isso, obriga-nos a mergulhar mais profundamente ainda, na compreensão do Universo, naquilo que lhe deu origem e o mantém. É certamente exercício para gerações!
Mas será que não podemos ter vislumbres do que será o cenário último, da verdade?
O trabalho de muitos geniais gigantes permitiu-nos chegar a um tempo em que há abundância de conhecimento. Pode não ser ainda um "conhecimento exacto" [1] no sentido pleno, mas é certamente vasto. Aliás se encararmos a Bíblia como um testemunho da divindade no contexto cultural das diversas épocas em que foi escrita e não como narrativa dos pensamentos de Deus, podemos dizer que talvez Ele esperasse que amadurecêssemos até chegarmos a um entendimento de Si tão pleno quanto fosse possível. Nem sei bem, se esse entendimento se pode alcançar enquanto espécie humana, se é preciso vir outra espécie mais evoluída e portanto mais próxima ainda da plenitude de Deus. Ou então talvez tudo o que se precise é de uma transcendência que nos permita colocar-nos num patamar em que sejamos capazes de O entender.
Alguns dentre nós têm feito este esforço de O entender pelo uso do intelecto e das ferramentas que engenhosamente inventámos para alcançar a "verdade", como foi é método científico. Outros têm pregado a transcendência do amor, sendo exemplo épico Jesus. E ao largo das baralhadas teológicas, as questiúnculas sobre o número de anjos possível na cabeça de um alfinete, todos aceitamos pacificamente que o "Cristo foi a imagem de Deus." [2]

Em termos estritamente teológicos a morte física é deixar nas mãos de Deus a possibilidade de voltar a viver novamente, independente das questões se temos uma alma imortal e se alguma coisa acontece ou não noutro domínio. Jesus assemelhou a morte a um sono profundo[3] e creio que todos podemos concordar com essa sua afirmação, mesmo os cépticos e os não crentes, sendo a diferença que para estes nunca se acorda de tal sono e para os crentes há a esperança que se seja despertado.

O que nos diz o conhecimento científico? Façamos uma pequena ressalva: O conhecimento científico é só uma aproximação do que será a verdade. Ele está condicionado à nossa capacidade de tecermos hipóteses que se aproximem dos factos na interpretação correcta. É uma relação delicada esta entre os factos, que permanecem e estão sempre lá, e a interpretação dos mesmos. Há a necessidade da filosofia que suscita as questões e traz sobre os factos um olhar novo. Há que ter a ousadia dos poetas e dizer o que nunca foi dito, na intuição que permite adivinhar a realidade que ninguém mais viu. É um espectáculo de magia de longa duração, onde a realidade se revela sempre mais fantástica do que a nossa imaginação, tão humana e tão pequenina! Não podia ser de outro modo, num cosmos medido em milhões de anos-luz. Realmente para compreendermos o Universo bem que precisávamos de alcançar a imortalidade. Sim, é uma íntima relação entre a imortalidade e o conhecimento. É só por meio de artifícios como a escrita que conseguimos fintar esta ignorância que ocorre com cada morte.

O que sabemos sobre a morte?


Realmente sabemos muito pouco. Se não houver inviolabilidade do tempo, a morte pode não existir, já que passado, presente e futuro não serão absolutos. As dificuldades em definir o tempo, levam alguns a pensar que é uma construção, talvez como o éter luminífero foi em tempos, e que deva ser descartado. "O tempo não é um aspecto fundamental da realidade." Einstein em 1955 na morte do seu amigo Michele Besso escreveu: "‘Agora ele partiu deste estranho mundo um pouco à minha frente. Isto não significa nada. Pessoas como nós, que acreditam na física, sabem que a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma teimosa e persistente ilusão.’ [4]

A ser verdade isto remete para outra questão: importará assim tanto viver para sempre? 


"Será que o nosso desejo de viver, não é apenas um truque do gene egoísta para que nos reproduzamos e cuidemos da descendência?... A resposta depende do que acontece depois que morremos." [5] 
Se ao morrermos formos para um lugar melhor, como muitos acreditam que seja possível, então morrer nem é um mau negócio. Já se ao morrer se for parar ao inferno ou reencarnar como um porco, talvez valha a pena tentar prolongar o tempo em que por cá se anda como humano.
Se alcançar um lugar melhor após a morte depende da fé e de cumprir certos requisitos, então não será um drama quando se perde a fé ou se peca (não se cumprem os requisitos)? Mais valia ter morrido mais cedo, antes dessa perda de fé ou do cometer pecado!
Em boa medida, viver para sempre ou não, depende daquilo em que acreditarmos.

Há contudo a hipótese de que ao morrer acabe tudo.


O que traz outras questões: como viver se tudo acaba? E já que levar uma vida feliz não é sinónimo de levar uma vida com sentido, então que escolhas devemos fazer?
Uma vida sem sentido deprime-nos, o que mostra que ser feliz não deve ser o único objectivo na vida.
Se a felicidade resulta da satisfação dos nossos desejos, uma vida com sentido não precisa disso.
A felicidade é momentânea, sentida no "agora", já o sentido da vida tem que ver com o futuro. Quem vive para o presente, para ser feliz, carece de profundidade. O sentido da vida consiste em estabelecer uma narrativa coerente que une passado, presente e futuro, uma história de vida. Mas o sentido da vida não contribui para a felicidade, embora possa dar essa ilusão.

Os generosos embora possam sentir que a vida ganha sentido, não ganham em felicidade. Talvez seja por isso que o gene é egoísta. Tudo o que nos dá felicidade é egoísta. Mas tudo o que é expressão de nós mesmos, definir-se, construir uma boa reputação está ligado com o sentido da vida.
Atribuir significado, sentidos, é o que nos permitiu sobreviver através da gregaridade. Usamos a linguagem, as palavras como ferramenta que nos conecta uns aos outros e isso permite a nossa sobrevivência. Do sentido das palavras, enquanto comunicação, passamos a enquadramentos mais vastos. A democracia vai nesse sentido.
"O sentido é mais estável que a emoção, e assim coisas vivas usam o sentido como parte da sua demanda para alcançar estabilidade." [6]


Como a vida ganha sentido?



A solidão não traz nem felicidade nem sentido à vida.
A vida carece de propósito. O primeiro propósito vem da natureza: sobreviver e reproduzir-se. A segunda fonte de propósito é a cultura. A terceira fonte são as nossas escolhas.

A necessidade de um sentido é que ele confere valor. É uma propriedade moral, uma definição de bom e de mau. Não estamos aqui muito longe da história contada no Gênesis: "Pois Deus sabe que, no mesmo dia em que o comerem, os vossos olhos irão abrir-se e vocês serão como Deus, sabendo o que é bom e o que é mau.” [7] É aqui que sentido se torna social, já que o "bom" e o "mau" é uma questão de consenso social, pelo menos daquele em que nos inserimos.
Outra necessidade de sentido vem da eficácia. Objectivos e valores que não levam a lado nenhum, importam? Todos queremos alcançar alguma coisa com as nossas vidas.
Por último a necessidade de sentido vem do amor-próprio, da forma como nos vemos a nós mesmos e nos valoramos.

"Uma vida terá sentido se responder às quatro questões de propósito, valor, eficácia e amor-próprio. São estas questões, não as respostas, que fortalecem e unificam." [6]

Talvez a vida não passe de uma interrogação permanente.

Morrer é quando já não fazemos mais perguntas, independentemente se através da morte encontramos ou não,  todas as respostas.

[1] 1 Timóteo 2:4
[2] 2 Coríntios 4:4
[3] João 11:11: Depois de dizer isto, ele acrescentou: “O nosso amigo Lázaro adormeceu, mas eu vou lá para o acordar."
[4] https://aeon.co/ideas/there-is-no-death-only-a-series-of-eternal-nows 
[5] https://aeon.co/essays/is-a-long-life-necessarily-a-good-life
[6] https://aeon.co/essays/what-is-better-a-happy-life-or-a-meaningful-one 
[7] Gênesis 3:5

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