O livre-arbítrio do Homem só é possível de expressão se for acompanhado de um exercício de soberania. A soberania, sendo resultado da criação de Deus, só pode originar-se também n'Ele. Como discorremos em artigo anterior, toda a soberania é um subconjunto da Absoluta que Lhe pertence.
Este exercício de soberania nunca pode ir de encontra o propósito de Deus, senão como um desvio temporário, um ruído no seio da eternidade, que diminui de importância na medida em que esta decorre.
Mesmo assim, Deus não deixou o Homem ao desamparo, concedendo-lhe uma ferramenta orientativa: a consciência.
Paulo
desenvolvendo sobre a consciência, tornou bem clara a intenção de Deus ao
criá-la. Ele argumenta que é ela, que ao tornar-se uma Lei para o indivíduo, o
torna responsável moral pelos seus actos e constitui a base para o seu
julgamento. Reparem que julgar é um exercício de soberania. Mas o
extraordinário é que o indivíduo não é julgado pela Lei de Deus, conforme
vulgarmente entendida, mas julgado pela Lei da sua própria consciência! Isto só
faz sentido, como muito bem argumenta Paulo, se a consciência for um reflexo da
soberania de Deus, e desse modo uma espécie de subconjunto da sua Lei. Assim a
violação da Lei de Deus, é primariamente uma violação da consciência.
Singrando
por argumentos semelhantes é que os julgamentos dos nazis em Nuremberga,
puderam fazer sentido. Mesmo respaldando-se no cumprimento da lei nazi, ou do
cumprimento de ordens através das estabelecidas hierarquias, os julgamentos de
Nuremberga estabeleceram o primado da consciência, anulando qualquer lei ou
ordem, face a uma violação da consciência. Raciocínio que aliás tem permanecido
até ao presente e constitui também a base para os chamados julgamentos de
crimes contra a Humanidade.
Jesus
modestamente não extravasou os limites da sua soberania (Luc.12:13,14). Já
outros não se coíbem de dela se apropriar amplamente, quer auto designando-se
governantes por direito divino, mesmo que de Deus não tenham recebido qualquer
mandato. No entanto, ele mesmo usou sua consciência na aplicação e extensão que
considerou necessário, mostrando em magistral exercício, como a consciência
individual complementa a Lei de Deus na sua forma escrita. Ele mostrou que a
Lei de Deus não está escrita na pedra, mas deve estar escrita no coração. (Jer.
31:33)
Há vários
exemplos em como Jesus reinterpretou a Lei com base na sua consciência. Um
exemplo tocante, é o da cura da mulher com o fluxo de sangue, que pela Lei ao
entrar no meio da multidão incorreu numa violação da mesma. A posterior cura da
mulher e a frase de Jesus: "Filha, a tua fé te fez ficar boa; vai em
paz." (Luc. 8:48) Realço a palavra "vai em paz", após uma
violação clara da Lei.
O
aproximar-se e o tocar os leprosos, foram também violações directas da Lei.
Podemos pensar que para os curar isso se fez necessário, o que é falso, pois
Jesus foi capaz de curar à distância.
Jesus
mostrou que a soberania divina, expressa através da consciência, é capaz de
grandes feitos espirituais, conforme ele reconheceu no oficial do exército
romano, quando lhe reconhece uma fé enorme. (Mat. 8:5-13) É bom lembrar que os
que foram escolhidos como apóstolos, eram israelitas e de facto vez após vez,
lhes censurou a falta de fé (Mat. 8:6; mat. 14:31; Mat. 16:8; Mat. 17:20) Estas
coisas podem ter desenvolvimentos em termos de argumentação, deveras curiosos.
Vejamos: se gentios
à luz de Deut. 14:21, ao não estarem debaixo da Lei, podiam comer animais não
sangrados sem pecar, então ao ficarmos libertos da Lei, de igual forma ficamos
livres dessa exigência. Nesse contexto devem ser entendidas as palavras de
Paulo "...comei de tudo o que se vende no açougue..." (1 Cor. 10:25)
A consciência pode então anular o acessório na Lei de Deus, sendo o acessório a
regra, permanecendo os princípios. Como explicou Jesus, é preciso perceber o
sentido dela (Mat. 23:23; Mr 2:27)
Nos tempos
antigos a soberania de um pater familia era bastante abrangente, incluindo
escravos e escravas, as esposas e os filhos. Estes, enquanto debaixo do seu
tecto, eram equiparados a bens, na mesmissima categoria das casas, campos, gado
e escravos!
Só assim se
entende as relações de Abraão com as servas de Sara, não serem equiparadas a
adultério! Os direitos de propriedade,
eram expressão da sua soberania e enquanto propriedade podiam ser usados
conforme lhe aprouvesse, de forma perfeitamente legítima.
Hoje isto
soa-nos chocante, uma terrível coerção da soberania dos outros, que
subalterniza, esposa, filhos e escravos. A estes últimos retira-se-lhes o seu
estatuto de seres humanos, também eles com direito à expressão da sua
soberania.
Não mostra
isso uma falha básica na expressão da soberania através da consciência?
Reflectindo
nisso, percebemos que a consciência é moldada pelo consenso social e só pode
reflectir o nosso progresso enquanto humanidade. Por isso julgar as acções do
passado com base nos nossos valores actuais só pode redundar num julgamento
injusto. Mas, de igual forma, julgar acções actuais à luz de antigos valores,
será igualmente injusto! Deus, ao julgar com base na consciência individual,
não comete esse erro.
Sem comentários:
Enviar um comentário