sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Soberania



O conceito de soberania está ligado a autoridade, a poder. Por isso a temática em volta de Deus meia-volta aqui vem ter. Soberania tem também que ver com autodeterminação, livre-arbítrio. Não pode haver uma expressão de soberania sem verdadeira escolha, pois sem escolhas, não faz sentido. Mais uma vez estamos num exercício de exegese sobre o escrito sagrado. 

Deus ao criar o Homem, e ao conceder-lhe o livre-arbítrio, transfere uma parte da sua soberania, assumida como total, plena e universal para nós. Deus dignifica-nos ao conceder-nos, assim, uma qualidade que é inerentemente sua. A nossa soberania resulta da que nos foi concedida. 

Assim, qualquer outra soberania para além da de Deus, é a individual. As nações têm uma, porque enquanto cidadãos lha concedemos. 

Diz a teologia das Testemunhas de Jeová, que ao invés da grande luta cósmica entre o Bem e o Mal, a grande questão é saber quem manda, ou seja trata-se de questionar a soberania universal de Deus [1]. A questão é então a seguinte: será que a Bíblia se resume afinal a uma defesa da soberania de Deus? Um apelo às armas, para que apoiemos a Deus? 

Em princípio isso poderá parecer assim, se encararmos o Diabo como um usurpador pleno de Deus, papel que nas Escrituras nunca reveste. 

E perguntais, então e o Reino, não é uma expressão de soberania? Sim, de facto o é, mas apenas num reflexo dela, o seu papel esgota-se mal se alcança a redenção da humanidade. Como expressão da soberania de Deus, seria pálida e fraca, quando considerada à escala da eternidade. Aliás, o Reino é um mero arranjo temporário [2]. Mesmo a representação da soberania de Deus por meio da realeza israelita foi um arranjo espúrio ao pensamento de Deus, conforme se pode ver do diálogo que Deus teve com o profeta e sacerdote exemplar Samuel. No diálogo havido entre ambos, o pedido de um Rei por parte dos israelitas foi comparada a uma rejeição do próprio Deus! [3] Seria assim estranho que o facto de haver reis em Israel, fosse uma representação adequada da soberania de Deus. Mas então e Jesus ser Rei? Não é isso uma manifestação de que o que estava em causa era a soberania de Deus? Lembrem-se que o arranjo do Reino, visa a redenção do Homem, o restabelecimento da relação com Deus; como dizia Paulo, a pregação do vindouro Reino, era um “ministério da reconciliação” [4]! O que foi rompido e urge restabelecer é a relação com Deus! E como se quebram as relações? Pela falta de confiança! 

Olhemos então para o relato de Génesis para verificar essa quebra de confiança entre o Homem e Deus. Adão toma Deus como mentiroso quando aceita comer do fruto. A serpente mente, o homem morre [5]. A mulher foi enganada por esta mentira, conforme atesta mais tarde Paulo [6]. O que é certo é que aceitar Deus como mentiroso, atirou-nos para longe da sua intimidade, deixou-nos sujeitos a todos os enganos e astúcias maldosas, para nosso próprio mal [7]. Nesta tentativa de reconciliação, de retoma da relação com Deus, este sempre andou a estender-nos a mão, a tentar ajudar-nos, seus apelos constantes são no sentido de que confiemos n'Ele [8]. Não é Ele o mentiroso o que nos quer privar do que é bom, mesmo que lhe chamem “conhecimento do que é bom e mau” [9]. Mas atenção, o mentiroso é o Opositor! É o Diabo que nos afasta de Deus em permanência, conforme a denúncia de Jesus [10] ou como se torna visível no livro de Jó quando tomamos a atenção devida. Ali em Jó, apesar dos seus esforços de tentar separar o Homem da intimidade de Deus [11], ele não se atreve a ultrapassar os limites da Soberania de Deus [12]. Se essa fosse a grande questão, ele não esperaria a permissão de Deus para actuar e não se manteria nos limites impostos por esta [13]. 

Portanto a ideia de que o grande drama universal é uma questão de soberania, só se pode originar de mentes preocupadas com quem manda! Jesus, avisou sobre esse perigos por diversas vezes, sabendo que a tentação do poder é enorme. Jesus disse-lhes: “Mantende os olhos abertos e vigiai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus.” [14] Sendo que disse também que os cristãos não deviam almejar o poder mas antes o servir, o ministrar aos outros [15]. Quem de facto estava preocupado com questões de soberania eram os inimigos de Cristo[16], os que se afoitaram a pendurá-lo numa estaca sobre a acusação de blasfemo! Para esses tudo não passava de estratégia política, mesmo que inadvertidamente cumprissem profecia [17]. 

Mais uma vez, esta questão teológica de afirmar que o que está em causa no grande drama universal é a Soberania de Deus, é um conceito sem grande suporte numa análise cuidada do texto sagrado. A teologia das Testemunhas é uma construção frágil, e apenas resulta porque a maioria se remete a seguir sem analisar profundamente a questão. A liderança sabe disso e também não estimula um estudo profundo, que vá para além da superfície. Ganham peso as palavras de Jesus quando disse aos que ensinavam a Palavra no seu tempo: “Deixai-os. Guias cegos é o que eles são. Se, pois, um cego guiar outro cego, ambos cairão numa cova.” [18] A liderança tejotiana há muito que lá caiu e tudo o que tem feito é cavá-la ainda mais. Que lhes adianta a sua obra de pregação? Arrastarem rebanhos de ingénuos que como Eva, vão atrás de um pretenso “conhecimento”, que é afinal uma “astúcia” para os levar ao engano? 

E tal como os fariseus têm cumprimento nela as palavras de Jesus: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a terra seca para fazer um prosélito, e, quando se torna tal, fazeis dele objecto para a Geena duas vezes mais do que vós mesmos.” [19] 

 [1] Por defeito a soberania de Deus é sempre Universal, e até mesmo meta-universal! Ela tem de alcançar o terreno e o espiritual pelo menos, ou nunca fará sentido. 
[2] Apocalipse 20:4 “E passaram a viver e reinaram com o Cristo por mil anos.” 
[3] 1 Samuel 8:6, 7 “Mas a coisa era má aos olhos de Samuel, visto que haviam dito: “Dá-nos deveras um rei para nos julgar”, e Samuel começou a orar a Jeová. Jeová disse então a Samuel: “Escuta a voz do povo referente a tudo o que te dizem; pois, não é a ti que rejeitaram, mas é a mim que rejeitaram como rei sobre eles. 
[4] 2 Coríntios 5:18 “Mas, todas as coisas são de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por intermédio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação.” 
[5] Génesis 3:4 “A isso a serpente disse à mulher: “Positivamente não morrereis.”” 
[6] 1 Timóteo 2:14 “Também, Adão não foi enganado, mas a mulher foi totalmente enganada e veio a estar em transgressão.” 
[7] Mas, tenho medo de que, de algum modo, assim como a serpente seduziu Eva pela sua astúcia, vossas mentes sejam corrompidas, afastando-se da sinceridade e da castidade que se devem ao Cristo. 
[8] Provérbios 3:5,6 “Confia em Jeová de todo o teu coração e não te estribes na tua própria compreensão. Nota-o em todos os teus caminhos, e ele mesmo endireitará as tuas veredas.” 
[9] Génesis 3:5 “Porque Deus sabe que, no mesmo dia em que comerdes dele, forçosamente se abrirão os vossos olhos e forçosamente sereis como Deus, sabendo o que é bom e o que é mau.” 
[10] João 8:44 “Vós sois de vosso pai, o Diabo, e quereis fazer os desejos de vosso pai. Esse foi um homicida quando começou, e não permaneceu firme na verdade, porque não há nele verdade. Quando fala a mentira, fala segundo a sua própria disposição, porque é um mentiroso e o pai da [ mentira ].” 
[11] Jó 1:10 “Não puseste tu mesmo uma sebe em volta dele, e em volta da sua casa, e em volta de tudo o que ele tem? Abençoaste o trabalho das suas mãos, e o próprio gado dele se tem espalhado pela terra.” [12] Jó 1:11 “Mas, ao invés disso, estende tua mão, por favor, e toca em tudo o que ele tem, [ e vê ] se não te amaldiçoará na tua própria face. ”” 
[13] Jó 1:12 “Por conseguinte, Jeová disse a Satanás: “Eis que tudo o que ele tem está na tua mão. Somente contra ele próprio não estendas a tua mão! ” De modo que Satanás saiu de diante da pessoa de Jeová.” [14] Mateus 16:5. No primeiro dos Evangelhos que se supõe ser de Marcos este texto adquire a seguinte redacção, deveras curiosa: “E ele começou a ordenar-lhes expressamente, dizendo: “Mantende os olhos abertos, acautelai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes.” (Mr 8:15) A expressão “fermento de Herodes” é inequivocamente uma menção política, denunciando aquela política de se manter no poder a todo o custo! A redacção de Lucas 12:1 deixa de fora os saduceus e Herodes. 
[15] Mateus 20:25-27 “Jesus, porém, chamando-os a si, disse: “Sabeis que os governantes das nações dominam sobre elas e que os grandes homens exercem autoridade sobre elas. Não é assim entre vós; mas, quem quiser tornar-se grande entre vós tem de ser o vosso ministro, e quem quiser ser o primeiro entre vós tem de ser o vosso escravo.” 
[16] João 11:48 “Se o deixarmos assim, todos depositarão fé nele, e virão os romanos e tirarão tanto o nosso lugar como a nossa nação.” 
[17] João 16:49-51 “Mas um certo deles, Caifás, que era sumo sacerdote naquele ano, disse-lhes: “Vós não sabeis nada e não deduzis logicamente que é para o vosso proveito que um só homem morra a favor do povo e não que toda a nação seja destruída. ” Isto, porém, não dizia de sua própria iniciativa; mas, porque era sumo sacerdote naquele ano, profetizava que Jesus estava destinado a morrer pela nação.” 
[18] Mateus 15:14 
[19] Mateus 23:15

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