quinta-feira, 5 de abril de 2018

Imortalidade - Parte V



A imortalidade pela fama


Reprodução


Por último, temos de falar da imortalidade que se alcança pela realização de um propósito, por se deixar um legado.
A maioria acha que essa imortalidade se consegue pela reprodução, por ter filhos, alguém que nos lembre no futuro próximo e que depois transporte os genes para as gerações vindouras. Talvez seja realmente a única imortalidade que tem alguma hipótese. Pelo menos se os filhos tiverem filhos e por aí fora, sem nenhuma fatalidade ou opção que pare a transmissão. As mulheres em particular parecem sentir-se profundamente realizadas pelo facto de serem mães, mesmo que os seus filhos não sejam nem mais nem menos que a normalidade, sem qualquer traço de genialidade. Já o mencionamos de passagem em outros "posts" e repetimos a ideia, à evolução não importa o que resulta da reprodução, só lhe interessa que haja. Ela depois se encarregará de seleccionar o que importa. Portanto não interessa se os vossos filhos são génios ou calhaus com olhos, o que importa é que se continuem a reproduzir.
O pensamento religioso também se torna colaboracionista com a evolução quando defende que o casamento, como importante sacramento, só cumpre o propósito de Deus quando dá origem a filhos. A Bíblia por alguma razão enche páginas de genealogias que agora pouco interesse têm. Os judeus que as perseveraram, com a destruição do Templo de Jerusalém em 70 EC perderem importantes informações para sua agonia eterna. 
Se tem filhos, parabéns, há uma possibilidade que seja imortal através dos genes. Se bem que um dia a baralhação deles será tão grande que o seu contributo será muito diluído, mas é de facto melhor que nada.

Política


Alguns encaram que o serviço público pode deixá-los nos anais da história e assim obterem um lugar na memória colectiva dos homens. Para além de isso dar uma enorme trabalheira, que os concorrentes são mais que muitos e nem sempre a ideologia coincide com os lugares elegíveis e pode ser preciso fazer concessões. Mas mesmo que não faça e assuma as suas convicções é frustrante nunca ser capaz de se ir tão longe quanto se gostaria. E o legado, a recordação que se deixa em termos políticos, na maioria dos casos é uma nota de rodapé na história. Veja por exemplo quem se lembra de quem era o secretário de Tuntankhamon? Quem se importará com isso sequer, que a maioria está mais preocupada com o que os políticos do seu tempo alcançam do que com políticos do passado. Mas se for realmente excepcional nas suas realizações políticas e for bafejado pela sorte, certamente terá o seu lugar recordado por alguns anos mais para além da sua morte. Pode ser que ganhe um nome de rua e tudo! Não lhe chamaria imortalidade, mas é uma tentativa interessante.

Legado


Mas não enveredando pela política, talvez busque isso por meio de um legado artístico ou empresarial. Uma empresa bem sucedida pode levar o seu nome muitas gerações para a frente. Ainda hoje existe o nome Ford como marca de automóvel em honra ao Henry Ford que os começou a fabricar em escala industrial. Outras grandes empresas existem transportando os nomes dos seus fundadores. E como o dinheiro é uma utilidade apreciada, se for empreendedor quem sabe? Talvez a sua eternidade esteja por esse lado.
Outro será o legado artístico, e aqui este é mais arriscado porque nunca sabemos que artes a humanidade continuará a apreciar no futuro e que evolução cada uma dessas artes terá. Mas deixar livros publicados, pinturas ou esculturas realizadas, composições musicais escritas, com a dose necessária de sorte pode ser que ganhe fama e esta se prolongue no tempo. Lamentavelmente a fama nos dias de hoje é efémera, não se baseia no mérito, mas em interesses diversos e arrisca-se apesar do esforço a nunca ser reconhecido e a cair no esquecimento. Mas não desanime, porque às vezes de um longo esquecimento, alguém o (re)descobre e pode ser que ganhe ímpeto e não seja depressa esquecido. Não é a imortalidade mas pode ser melhor que nada.

Conclusão


Devem perceber que não falámos de todas as situações que nos podem levar a uma imortalidade mais ou menos longa com base em realizações. Há até quem se congele na esperança de um dia reviver. Não é bem uma imortalidade, mas uma espécie de vida em suspensão e não é garantida!
No fundo queremos todos pensar que não somos só uma brisa ou o pó no prato da balança, que um dia o futuro não nos terá e é essa antecipação que nos causa angústia. Quem ama a vida, quem tem um desejo permanente de aprender, certamente a limitação da vida humana é um empecilho aos seus desejos.
Alguns têm levado esta questão com seriedade e tentam influenciar os seus semelhantes, para que com eles entrem numa cruzada pelo rejuvenescimento e pela longevidade. É sem dúvida meritório mesmo que não sejam eles os beneficiários das tecnologias e tratamentos que sem dúvida tornarão a vida aprazível e longa. Mas cada um de nós está limitado no seu próprio tempo. Por aí não há outra solução melhor, a não ser deixar essas alpondras para as gerações futuras.
Assim, em conclusão, tudo o que podemos fazer de momento é tentativas de deixar algo de nós que reverbere no futuro e possa contribuir para que um dia a imortalidade se alcance efectivamente. Ou pelo menos que se abra como uma possibilidade para os que a queiram abraçar. Ninguém é obrigado a tornar-se imortal. 
No Grandioso Universo, quando nos libertarmos desta bola onde surgimos e evoluímos e perseguirmos as estrelas em viagens de anos-luz, então terá valido a pena o esforço de cada um de nós. Estaremos de novo na beira da praia onde antes um anfíbio saiu do mar e começou esta aventura que é agora a nossa e que agora se expande pelo Cosmos.

Enquanto a morte não chega, sejamos imortais!

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Imortalidade - Parte IV



O que é morrer?


Um tema de perto relacionado com o da imortalidade é compreender o que é a morte. E compreender isso, obriga-nos a mergulhar mais profundamente ainda, na compreensão do Universo, naquilo que lhe deu origem e o mantém. É certamente exercício para gerações!
Mas será que não podemos ter vislumbres do que será o cenário último, da verdade?
O trabalho de muitos geniais gigantes permitiu-nos chegar a um tempo em que há abundância de conhecimento. Pode não ser ainda um "conhecimento exacto" [1] no sentido pleno, mas é certamente vasto. Aliás se encararmos a Bíblia como um testemunho da divindade no contexto cultural das diversas épocas em que foi escrita e não como narrativa dos pensamentos de Deus, podemos dizer que talvez Ele esperasse que amadurecêssemos até chegarmos a um entendimento de Si tão pleno quanto fosse possível. Nem sei bem, se esse entendimento se pode alcançar enquanto espécie humana, se é preciso vir outra espécie mais evoluída e portanto mais próxima ainda da plenitude de Deus. Ou então talvez tudo o que se precise é de uma transcendência que nos permita colocar-nos num patamar em que sejamos capazes de O entender.
Alguns dentre nós têm feito este esforço de O entender pelo uso do intelecto e das ferramentas que engenhosamente inventámos para alcançar a "verdade", como foi é método científico. Outros têm pregado a transcendência do amor, sendo exemplo épico Jesus. E ao largo das baralhadas teológicas, as questiúnculas sobre o número de anjos possível na cabeça de um alfinete, todos aceitamos pacificamente que o "Cristo foi a imagem de Deus." [2]

Em termos estritamente teológicos a morte física é deixar nas mãos de Deus a possibilidade de voltar a viver novamente, independente das questões se temos uma alma imortal e se alguma coisa acontece ou não noutro domínio. Jesus assemelhou a morte a um sono profundo[3] e creio que todos podemos concordar com essa sua afirmação, mesmo os cépticos e os não crentes, sendo a diferença que para estes nunca se acorda de tal sono e para os crentes há a esperança que se seja despertado.

O que nos diz o conhecimento científico? Façamos uma pequena ressalva: O conhecimento científico é só uma aproximação do que será a verdade. Ele está condicionado à nossa capacidade de tecermos hipóteses que se aproximem dos factos na interpretação correcta. É uma relação delicada esta entre os factos, que permanecem e estão sempre lá, e a interpretação dos mesmos. Há a necessidade da filosofia que suscita as questões e traz sobre os factos um olhar novo. Há que ter a ousadia dos poetas e dizer o que nunca foi dito, na intuição que permite adivinhar a realidade que ninguém mais viu. É um espectáculo de magia de longa duração, onde a realidade se revela sempre mais fantástica do que a nossa imaginação, tão humana e tão pequenina! Não podia ser de outro modo, num cosmos medido em milhões de anos-luz. Realmente para compreendermos o Universo bem que precisávamos de alcançar a imortalidade. Sim, é uma íntima relação entre a imortalidade e o conhecimento. É só por meio de artifícios como a escrita que conseguimos fintar esta ignorância que ocorre com cada morte.

O que sabemos sobre a morte?


Realmente sabemos muito pouco. Se não houver inviolabilidade do tempo, a morte pode não existir, já que passado, presente e futuro não serão absolutos. As dificuldades em definir o tempo, levam alguns a pensar que é uma construção, talvez como o éter luminífero foi em tempos, e que deva ser descartado. "O tempo não é um aspecto fundamental da realidade." Einstein em 1955 na morte do seu amigo Michele Besso escreveu: "‘Agora ele partiu deste estranho mundo um pouco à minha frente. Isto não significa nada. Pessoas como nós, que acreditam na física, sabem que a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma teimosa e persistente ilusão.’ [4]

A ser verdade isto remete para outra questão: importará assim tanto viver para sempre? 


"Será que o nosso desejo de viver, não é apenas um truque do gene egoísta para que nos reproduzamos e cuidemos da descendência?... A resposta depende do que acontece depois que morremos." [5] 
Se ao morrermos formos para um lugar melhor, como muitos acreditam que seja possível, então morrer nem é um mau negócio. Já se ao morrer se for parar ao inferno ou reencarnar como um porco, talvez valha a pena tentar prolongar o tempo em que por cá se anda como humano.
Se alcançar um lugar melhor após a morte depende da fé e de cumprir certos requisitos, então não será um drama quando se perde a fé ou se peca (não se cumprem os requisitos)? Mais valia ter morrido mais cedo, antes dessa perda de fé ou do cometer pecado!
Em boa medida, viver para sempre ou não, depende daquilo em que acreditarmos.

Há contudo a hipótese de que ao morrer acabe tudo.


O que traz outras questões: como viver se tudo acaba? E já que levar uma vida feliz não é sinónimo de levar uma vida com sentido, então que escolhas devemos fazer?
Uma vida sem sentido deprime-nos, o que mostra que ser feliz não deve ser o único objectivo na vida.
Se a felicidade resulta da satisfação dos nossos desejos, uma vida com sentido não precisa disso.
A felicidade é momentânea, sentida no "agora", já o sentido da vida tem que ver com o futuro. Quem vive para o presente, para ser feliz, carece de profundidade. O sentido da vida consiste em estabelecer uma narrativa coerente que une passado, presente e futuro, uma história de vida. Mas o sentido da vida não contribui para a felicidade, embora possa dar essa ilusão.

Os generosos embora possam sentir que a vida ganha sentido, não ganham em felicidade. Talvez seja por isso que o gene é egoísta. Tudo o que nos dá felicidade é egoísta. Mas tudo o que é expressão de nós mesmos, definir-se, construir uma boa reputação está ligado com o sentido da vida.
Atribuir significado, sentidos, é o que nos permitiu sobreviver através da gregaridade. Usamos a linguagem, as palavras como ferramenta que nos conecta uns aos outros e isso permite a nossa sobrevivência. Do sentido das palavras, enquanto comunicação, passamos a enquadramentos mais vastos. A democracia vai nesse sentido.
"O sentido é mais estável que a emoção, e assim coisas vivas usam o sentido como parte da sua demanda para alcançar estabilidade." [6]


Como a vida ganha sentido?



A solidão não traz nem felicidade nem sentido à vida.
A vida carece de propósito. O primeiro propósito vem da natureza: sobreviver e reproduzir-se. A segunda fonte de propósito é a cultura. A terceira fonte são as nossas escolhas.

A necessidade de um sentido é que ele confere valor. É uma propriedade moral, uma definição de bom e de mau. Não estamos aqui muito longe da história contada no Gênesis: "Pois Deus sabe que, no mesmo dia em que o comerem, os vossos olhos irão abrir-se e vocês serão como Deus, sabendo o que é bom e o que é mau.” [7] É aqui que sentido se torna social, já que o "bom" e o "mau" é uma questão de consenso social, pelo menos daquele em que nos inserimos.
Outra necessidade de sentido vem da eficácia. Objectivos e valores que não levam a lado nenhum, importam? Todos queremos alcançar alguma coisa com as nossas vidas.
Por último a necessidade de sentido vem do amor-próprio, da forma como nos vemos a nós mesmos e nos valoramos.

"Uma vida terá sentido se responder às quatro questões de propósito, valor, eficácia e amor-próprio. São estas questões, não as respostas, que fortalecem e unificam." [6]

Talvez a vida não passe de uma interrogação permanente.

Morrer é quando já não fazemos mais perguntas, independentemente se através da morte encontramos ou não,  todas as respostas.

[1] 1 Timóteo 2:4
[2] 2 Coríntios 4:4
[3] João 11:11: Depois de dizer isto, ele acrescentou: “O nosso amigo Lázaro adormeceu, mas eu vou lá para o acordar."
[4] https://aeon.co/ideas/there-is-no-death-only-a-series-of-eternal-nows 
[5] https://aeon.co/essays/is-a-long-life-necessarily-a-good-life
[6] https://aeon.co/essays/what-is-better-a-happy-life-or-a-meaningful-one 
[7] Gênesis 3:5

Imortalidade - Parte III


As criaturas

Talvez tenha ficado a ideia, pelas nossas anteriores publicações, que a imortalidade atinge apenas uma criatura que seria então a excepção que confirma a regra. Poderia passar por uma distracção do Deus Criador, uma espécie de nota na criação que recordasse os mais cépticos de que a eternidade era possível. Aquilo que Paulo escreve:"Pois as suas qualidades invisíveis — mesmo o seu poder eternos e Divindade — são claramente vistas desde a criação do mundo, porque são percebidas por meio das coisas feitas, de modo que eles não têm desculpa." [1]
Contudo, as criaturas eternas (ou com esse potencial) são em maior número do que uma eventual distracção do Criador poderia deixar escapar.

A natureza parece favorecer os organismos simples nesta aventura de existir. Se acontecer um holocausto nuclear, e isso parece cada vez mais perto nesta loucura de sermos governados por psicopatas, haverá sobreviventes. Em Hiroshima a simples, do ponto de vista biológico, ginkgo biloba sobreviveu. Não, possivelmente as baratas não resistiriam, mas uma bactéria de nome Deinococcus teria uma boa oportunidade de sobreviver, ou a humilde Mosca-da-fruta ou o Besouro-da-Farinha ou a vespa Habrobracon. [2] Assim, o fim dos mamíferos abrirá caminho aos insectos. Talvez houvesse alguma razão para os antigos egípcios considerarem os escaravelhos sagrados. [3]

Voltando à questão das criaturas imortais, elas são mais numerosas do que podíamos pensar. Aliás, na cultura popular só seres míticos são dotados de imortalidade ou de vidas excepcionalmente longas, o que mostra que vivemos num condicionalismo cultural que nos impede de encarar o assunto. Resulta certamente da concorrência cultural das religiões que querem o exclusivo da imortalidade.
Mas encaremos as coisas como são e não como eventualmente gostaríamos que fosse: 
Temos a nossa já falada Hydra que mesmo os cépticos admitem que possa viver 10.000 anos ao invés de ser imortal!
As medusas também se revelam imortais, capazes de rejuvenescer.
Certos pinheiros vivem 4.700 anos.
Os corais podem viver 4.000 anos. 
O Arctica islandica pode viver 500 anos.
A Lagosta Americana também parece ser imortal, capaz de regenerar membros perdidos. Os grandes espécimenes capturados calcula-se que tenham 140 anos! [4][5][6]
Estou certo que haveria mais candidatos a esta lista.

Do ponto de vista teológico convém deixar claro que toda a criatura que viver mais de 1.000 anos é por inerência imortal. Não esquecer que a condenação de Deus foi "Mas, quanto à árvore do conhecimento do que é bom e do que é mau, não comas dela, porque, no dia em que comeres dela, certamente morrerás.” [7] e que por outro lado como avisa Pedro: "Contudo, não despercebam o seguinte, amados: para Jeová, um dia é como mil anos, e mil anos são como um dia." [8] Esta lógica é também o que esteve por detrás da razão de haver o Dilúvio, a geração híbrida entre anjos e humanos era por herança genética dos anjos imortal. Se lhes fosse permitido viver para além dos mil anos essa imortalidade não lhes podia ser tirada. Estes aspectos são muito interessantes, pois encontramos esta mistura entre humanos e deuses repetidos muitas vezes nas diferentes culturas. Certamente assente em alguma intensa experiência humana, mas isso poderá ocupar-nos em outra altura. Por agora, reforçar que mesmo do ponto de vista teológico qualquer criatura com mais de mil anos, ganhou a imortalidade!

Agora que reconhecemos que a natureza descobriu o caminho da imortalidade, resta para nós humanidade, alguma esperança?



[1] Romanos 1:20 
[7] Gênesis 2:17 
[8] 2 Pedro 3:8